sexta-feira, 21 de março de 2014

XIV - REGRESSO À COUTADA DE MUCUSSO

-FARDA OU FARDO?-
Piloto carcamanho muito jovem, de 20 anos, fez a melhor distribuição da carga, para equilíbrio do avião, como mandam as regras aeronáuticas, colocando o Saco do Correio atrás, juntamente com as cestas contendo legumes frescos, arrumou um saco com pertences seus, algum material requisitado pela Companhia e apetrechos que só à chegada percebi que nos eram alheios.

Decorridos uns bons 90 minutos após a descolagem, e indo nós numa amena cavaqueira, começa-se a visualizar as enormes chanas (savanas) a perder de vista, num horizonte mais alargado pela altitude de voo. De repente, ele, às gargalhadas, “pica” sobre uma manada de búfalos, passa em voo rasante, e ergue-se de novo nos céus. Já não sei de que lado tenho o fígado nem o estômago. A cabeça fica tonta de tal modo que entro numa situação de enjoo aflitivo. Os comandos eram duplos e viajávamos um ao lado do outro. Tínhamos intercomunicador, de contrário, com o barulho do motor, não nos ouviríamos, apesar de tão próximos. Digo-lhe como me sinto e ele responde-me, de pronto: “põe a mão na manche!” E, inexplicavelmente para mim – ainda hoje me interrogo como é isso possível -  não é que resultou mesmo? Serenei, fiquei tranquilo e estável. Então, vai daí, sempre às gargalhadas, resolveu fazer um quase looping … digo quase porque ele não fechou o círculo. Perdi por completo o sentido de orientação: já não sabia onde estava o céu e onde estava a terra … Era um tipo muito simpático, afável e muito conversador.

Decorridas duas horas de voo, avistámos, por fim, ao longe, as instalações da Coutada.
VISTA AÉREA DA COUTADA DO MUCUSSO
O “pássaro” faz um voo rasante às copas das árvores e aterra na Pista Nova. Entretanto, ele diz-me para ficar junto ao avião até à descolagem.
Descarregado tudo que a nós se destinava, ele faz-me sinal, de novo, para ficar na pista, mas no meio. Descola num espaço muito curto, sobe, dá meia volta, e, qual o meu espanto, “pica” sobre mim, que me obriga a atirar-me para o chão. Toma, de novo, um pouco de altitude, dá a volta, passa novamente, abana as asas, como saudação, e toma o rumo da sua Base no Rundu. Percebi, então, que o material não descarregado tinha como destino final aquele território.

Narro ao lº Vilares o que o Major Ló me havia transmitido em Serpa Pinto. Respondeu-me que, na minha ausência, tudo tinha sido já resolvido.

Aconteceu que em alguns Destacamentos tinha sido já detetada, antes da minha partida, uma falta de alguns géneros, incluindo Rações de Combate, tudo surripiado por mãos anónimas e velozes na arte. Constou-se que alguns soldados “compravam” o amor de algumas pretinhas bosquímanas com “aquelas guloseimas”. E como quem comanda é o responsável por tudo que os seus subordinados fazem ou deixam de fazer, foram instalados Autos de Averiguações e, claro, da conclusão tirada, como não se apuraram responsáveis diretos, sobrou para os respetivos Comandantes.  


Carlos Jorge Mota

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