sexta-feira, 23 de maio de 2014

I - ESTOU MOBILIZADO PARA ANGOLA

-FARDA OU FARDO?-
Em princípios de outubro de 1968, acabada a Especialidade de Serviço de Administração Militar, na Póvoa de Varzim, sai em Ordem de Serviço a minha Mobilização, feita pelo R.I. 2 (Regimento de Infantaria 2, em Abrantes), integrado na Companhia de Caçadores 2506 pertencente ao Batalhão de Caçadores 2872, em formação naquela Unidade. Fiquei logo a ela adstrito, todavia, como a minha presença era dispensável no período da Recruta e Formação do Pessoal do Batalhão a constituir, face à especificidade da minha Especialidade, recebi Guia de Marcha, em Regime de Diligência, para o R.A.L. 5 (Regimento de Artilharia Ligeira 5), em Penafiel, em cujo Conselho Administrativo comecei a desempenhar funções e cujo Chefe era o meu amigo de infância Joaquim Santos, já licenciado entretanto em Economia. Lá apresentado, e com outros camaradas também recém-chegados, logo surge o Furriel Miliciano Pequito a convocar-nos para uns crosses e Aplicação Militar. Corremos 8 Kms, bem suados, e, em fato de ginástica, em plena praça frente ao Quartel, gramámos ali uns 50 minutos no duro. Viemos a perceber depois que se tratava de uma praxe de que ele fora encarregado. Homem sempre bem disposto, contador de piadas consecutivas. Mais tarde, com um mês de África, venho a saber que ele faleceu num brutal acidente de automóvel quando se dirigia para a Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, onde entretanto fora recolocado para dar Instrução.

Não me recordo do nome do Comandante à altura do RAL 5, mas lembro-me que o 2º Comandante era o então Major Rolando Tomás Ferreira, que veio a ser Adjunto do meu Comandante de Companhia lá, Capitão Eurico Corvacho, aquando do 25 de Abril, no momento em que ele, graduado em Oficial General, era o responsável, nesse período, pela Região Militar Norte, e era também membro do Conselho da Revolução.

O meu serviço era de natureza administrativa, leve, portanto, mas estava submetido à escala de Serviço à Unidade, como os demais Graduados. Entretanto, na minha perna esquerda surgem uns papilomas (verrugas) cujo diagnóstico foi logo feito, por análise laboratorial: “moluscum contagiosum”. Nada de importante, mas o nome mete respeito. Um deles emergiu no tornozelo, o que me dificultava calçar a bota. Mas, como negligenciei durante algum tempo, ele inflamou e formou-se uma ferida completamente redonda, que ulcerou. Como se aproximava o dia em que, por Escala, entraria de Serviço, fui ao Médico da Unidade para atestar a situação e me poder isentar dele, porquanto, por razões regulamentares, estava impedido de fazer o serviço de sapatos. A sua reação foi estranha, chocante, até: “essa ferida não vai fechar mais. Tem que ir já para o Hospital Militar”. Entro em “parafuso”. E vejo-me, de repente, metido numa Ambulância Militar rumo ao Hospital Militar Regional nº 1, no Porto.

COM O FRANÇA, MEU CONTERRÂNEO,
QUE VIRIA A SER COLEGA, MAS NO BBI,
FALECIDO MUITO NOVO, DE ATAQUE CARIA



R.A.L. 5 HOJE OCUPADO PELA GNR













Tratamento à base de pomadas várias, mas “aquela treta” não cicatrizava mesmo. Passaram 15 dias e melhoras … nenhumas. Até que me aplicaram uma nova, milagrosa, de seu nome Halibut, e logo tudo se recompôs.

Minha imã tinha acabado de ser mãe e queria-me como padrinho da filha, Delfina Alexandra (Xana), nome já registado. E como, se eu me encontro internado? Não estando ainda curado mas já em vias disso, aproveitou-se então uma coincidência proveitosa: uma amiga e ex-vizinha de mocidade, de seu nome Fernanda Matos, a conhecida Teresinha do filme Aniki-Bóbó, primeira obra do grande Manoel de Oliveira, trabalhava, como Enfermeira, num Posto de Previdência onde também exercia funções clínicas o médico que acompanhava o meu problema no H.M., embora ele fosse civil. Falou-se-lhe na questão e ele logo resolveu: deu-me alta e entrei em regime de convalescença, em casa, por uns dias, onde continuei o tratamento, mas já estava praticamente curado.


Apresento-me de novo na Unidade e retomo as funções já previamente definidas. Meu último Natal antes do embarque e, para azar dos azares, calha-me, por escala, Serviço de 24 para 25 de dezembro. Não consegui troca com ninguém. Talvez se estivesse presente alguém das Ilhas Adjacentes tivesse conseguido esse desiderato … E a rotina manteve-se até à noite de 27 para 28 de fevereiro de 1969. Tendo acabado de Fazer a Ronda, inclusive ao paiol que ficava no exterior do Quartel, precisamente às 02:40 da madrugada, abaixo-me para me sentar na cama para descansar um pouco, fardado e calçado, obviamente, e começo a ouvir um silvo horripilante, provindo de debaixo da terra, a aumentar brutalmente de intensidade, parecendo milhões de comboios. Lembrei-me logo do filme A Rua de Delfim Verde, onde era tipificado um Tremor-de-Terra. Não cheguei a sentar-me, levantei-me de supetão. Fiquei calmo, para minha surpresa, quando tudo começou a estremecer. E, para meu espanto, dos camaradas que estavam a dormir, só um acordou. A população da cidade veio para a Rua, apavorada, algumas senhoras aos gritos. Conforme o silvo soou na aproximação, atingindo o seu clímax sob os nossos pés, foi exatamente o mesmo som no afastamento, mas agora baixando lentamente, até desaparecer.

Carlos Jorge Mota

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