sábado, 24 de maio de 2014

IV - UÍGE, NOSSO HOTEL FLUTUANTE DURANTE 13 DIAS

-FARDA OU FARDO?-
Uma vez embarcados tivemos logo que considerar a nova hora pois o relógio de bordo regula-se pelo tempo do fuso-horário em que o navio está posicionado, que não era coincidente com a nossa Hora de Verão. Dentro eram 11 horas, no cais era meio-dia. E isso é importante em virtude do Almoço cuja primeira mesa estava marcada para o meio-dia (hora de bordo) e a segunda para a uma da tarde – duas fases de refeições, situação normal mesmo em viagem civil, pela dimensão dos Restaurantes … só destinados a Graduados porque o Zé-Soldado, esse, será sempre o eterno sacrificado. Face ao elevado número de Praças as suas refeições eram distribuídas em marmita.

O navio começa a descer lentamente o Tejo, passa sob a Ponte, então Salazar, e pára junto ao Bugio para saída do Piloto da Barra. A Lancha dá um apito, tradição naval de desejo de Boa-Viagem a que o Uíge responde com dois estridentes roncos, à laia de agradecimento. E … lá vamos nós, afastando-nos da costa, até que surge só céu e água. Procuramos distrair-nos, das mais diversas formas: uns, bebendo, bebendo, bebendo, bebendo; outros, jogando cartas, dominó ou xadrez; outros, segurando uma revista ou um livro, mas nada lendo; outros ainda, tentando entabular conversa, divagando apenas … e … navegando, navegando, Atlântico abaixo. Vida rotineira a bordo, mas com um interesse diário de saber a posição do navio, através de bandeirinhas colocadas sobre um mapa, e preocupação de saber a hora respetiva para controlo das refeições. Passámos ao largo da Madeira, das Canárias, de Cabo Verde. Entretanto, são dadas instruções pelo Comandante de Bandeira, Oficial da nossa Armada, para exercícios de marcação de baleeiras e colocação dos Coletes de Salvação, para eventual emergência. Alguma confusão da primeira vez, mas à segunda saiu tudo direitinho.

O AUTOR, O SÉRGIO, O RODRIGUES E O ANTUNES

Navegando ao largo da Guiné, aí durante uns dois dias, sentia-se um ar irrespirável, pelo elevadíssimo grau de Humidade Relativa. Um calor infernal e o corpo suando dum modo que ficava pegajoso. Ao entrarmos no Golfo da Guiné começamos a ouvir, em onda média, emissores de Rádios do Brasil, talvez da Paraíba ou Pernambuco. No 9º dia de viagem, o navio parou durante umas 4 a 5 horas. O que foi? O que sucedeu? Pergunta generalizada. Houve um problema nos motores, entretanto resolvido. No dia seguinte, o 2º Comandante do Batalhão, Major Nuno Alexandre Lousada, detentor do Curso de Estado-Maior, já com várias Comissões cumpridas, uma das quais na Índia (foi um dos signatários dos Acordos de Lusaca com a Frelimo, em nome do MFA, para o cessar-fogo e a posterior Independência de Moçambique), homem culto, afável e muito educado, reúne os Graduados no convés e diz-nos: “Meus senhores: estamos prestes a chegar ao destino. Não sabemos ainda onde nos colocarão. Todavia, iremos passar por situações muito complicadas, onde quer que nos encontremos. Um Comandante, seja qual for o seu nível de comando, mesmo que esteja a borrar-se de medo, não pode de forma alguma transparecê-lo para os seus homens. Tem que aguentar firme o momento e ter a necessária adrenalina para o suster. De contrário, não será um Comandante, mas um simples elemento fardado com algo em cima dos ombros. Já passei por essas situações de medo e sei do que falo”. Sabíamos que íamos para a Guerra, mas aí começamos a tomar mais consciência que a hora se aproximava. Passámos ao largo de São Tomé e ao 13º dia, 21 de maio de 1969, já de noite, o Uíge atraca no Porto de Luanda, onde tinha à minha espera, no cais, fardado, o meu amigo de infância Francisco Fontes. Quem passou por Angola, integrado em Batalhão ou Companhia Independente, entre 1968 e 1970, com toda a certeza que o conhece, talvez tenha até falado com ele, pois estava colocado no Posto do S.P.M. (Serviço Postal Militar) no Campo Militar do Grafanil, por onde transitavam todas as tropas antes de tomarem o seu destino, e primeiro ponto de deslocação de todo o militar a fim de depositar mais rapidamente a sua primeira Carta, ou Aerograma, para a família, namorada ou amigos, na Metrópole.

Efervescência a bordo, na ânsia de sabermos qual o local de Angola onde seríamos colocados de imediato. Chega a notícia, não sei por que via: Serviço à Rede de Luanda e também de Reserva às ordens do QG (Quartel-General).

Nota: Quando um navio mercante é fretado para transporte de tropas, obrigatoriamente terá a bordo um Oficial da Marinha de Guerra com a função de Comandante de Bandeira sob cujas ordens o efetivo Comandante do Navio se encontra. 

Carlos Jorge Mota

2 comentários:

  1. Olá!
    Também eu me dedico a escrever sobre ex-combatentes da Guerra Colonial.
    No meu caso particular, fiz a tropa nos fuzileiros com duas comissões em Moçambique, tenho um blog em que, desde 2008, relato o que por lá passei.
    Recentemente meti ombros à empreitada de criar e administrar um blog sobre os ex-combatentes da minha terra natal, Macieira de Rates/Barcelos. Um desses combatentes, o António Viriato Barbosa, cumpriu serviço na CCS do vosso batalhão. Quando registei o seu currículo no meu blog, fartei-me de procurar informação na internet, mas foi muito pouco o que encontrei.
    Fico contente por poder encontrar aqui alguma informação que confirma aquilo que eu arrisquei escrever sobre a passagem do meu conterrâneo pela guerra e por Angola.

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    1. Transcrevemos na íntegra o mail que enviámos ao nosso seguidor Manuel Silva:

      Caro Seguidor

      Acabo de abrir o presente mail, que agradeço e passo a indicar-lhe um dado que responderá às suas questões.
      Assim, queira visitar o blogue do nosso Batalhão, onde poderá obter os elementos pretendidos em:

      bcac-2872.blogspot.pt

      O seu comentário será publicado no post de autoria de um camarada de armas da companhia irmã 2506. Aproveito para lhe solicitar os endereços dos referidos blogues que administra. Felicidades para as realizações que pretende empreender.

      Um Abraço

      jMerca

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