segunda-feira, 9 de junho de 2014

XXXVI - ESTARIA EU A VER UMA FILMAGEM?

-FARDA OU FARDO?-
Numa das minhas frequentes idas à Manutenção Militar, saio da BTR com um Unimogue e, logo à entrada da cidade do Luso, encontro um GE, fardado, amputado duma perna, pedindo boleia à primeira viatura militar que surgisse. Dei instruções ao Condutor para parar, pergunto ao homem para onde quer ir e ele diz-me que tem uma Consulta no Hospital Militar. Apeio-me do Unimogue (veículo destapado) e ajudo-o a subir, por óbvia dificuldade física dele. Deixámo-lo no Hospital. Entretanto começa a cair uma chuva miudinha. Digo ao Condutor: “eh pá, vamo-nos abrigar um bocado, talvez o melhor local seja junto ao muro do Quartel dos Dragões, que sempre nos protege um pouco!”, e para lá nos dirigimos. Esta Unidade pertence à guarnição normal da cidade e o seu pessoal era constituído, na sua quase totalidade, por militares do Recrutamento da própria RMA, inclusive Graduados.

CHEGADA DUMA EVACUAÇÃO  AO HOSPITAL MILITAR
Encostados ao muro, com a viatura estacionada na rua, aguardamos que a chuva passe. De repente, vejo um Furriel, branco, ostentando uma braçadeira, pois estava de serviço à Unidade, falar com a Sentinela, também branco, e armado duma Espingarda FN. Pega nessa arma, ajoelha e aponta para um Soldado negro que tinha saído da Porta-de-Armas e se dirigia para um carro velho parado frente ao portão, e … PUM, dispara para as costas dele. Compreendi, nessa altura, o significado literal do “esticar o pernil”, sem pretender gracejar com a expressão, mas o que é certo é que vejo o rapaz cair de bruços, com uma perna ligeiramente encolhida e começar a espernear esse membro até se imobilizar por completo. Meu raciocínio instantâneo: “estão a filmar atrás do portão e o moço vai já levantar-se, pois trata-se de uma simulação para alguma finalidade que ignoro ”. Mas eis que ouço de repente um burburinho provindo do Quartel, vejo o Oficial-de-Dia deslocar-se junto do moço, tira a boina da cabeça e abana-o como se ela  fosse um leque. Volta para dentro. Nada vislumbro para o interior, pois o muro o impede, só vejo a Sentinela, que continua no seu posto, e o Furriel já tinha ido para dentro. O burburinho aumenta de intensidade e ouço repentinamente uma rajada de Metralhadora Pesada, que percebi logo ter sido feita para o ar. Troco um olhar interrogativo com o Condutor e digo: “vamo-nos embora já daqui senão ainda levamos um tiro e sem sabermos porquê!”. Retomámos o nosso destino. Passada a linha do Caminho de Ferro do CFB, começam a cruzar-se connosco Berliets, Unimogues 414 (o que chamávamos Burro do Mato, que eram os nossos) e Unimogues 404 (estes mais largos e movidos a motor a gasolina), viaturas estas carregadas de pessoal dos Comandos (cujo Aquartelamento ficava junto à Manutenção Militar) vestidos dum modo completamente desajustado: quico camuflado e camisa verde, calças verdes e camisa camuflada, botas de lona e calções verdes, enfim, modo revelador de saída emergente. Após resolver o assunto que lá me levou, volto da Manutenção Militar, reentro na cidade e vejo tropa em todas as esquinas, fortemente armada. Pergunto o que se passa e é-me transmitido então que os Dragões se rebelaram.

Chego à BTR e narro ao Capitão Santana o que presenciei. Diz logo ele, no seu modo meio brincalhão “Oh Mota, você vê cada filme!... Vá meter essa peta a outro!”

Carlos Jorge Mota

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