terça-feira, 30 de janeiro de 2018

FALECIMENTOS NA COMPANHIA

-NOTÍCIA-

Tivemos conhecimento que o Artur Henriques Gaspar precocemente nos deixou aos setenta anos. Soubemos que já se encontrava doente há algum tempo, mas esta triste notícia só nos chegou agora, apesar do seu falecimento se ter verificado no mês de Novembro do passado ano.


O Artur Gaspar foi soldado atirador e pertencia ao segundo grupo de combate da nossa Companhia. Participou em vários Encontros Anuais da Companhia, sendo o último em Torres Vedras no decorrer do ano de 2005. Foi tanoeiro de profissão e bem recordo os bancos e cadeiras que fez para a Companhia, utilizando as aduelas dos pipos do vinho.

Deixamos aqui o nosso mais profundo pesar a toda a família e amigos. Para todos nós que com ele convivemos, fica a profunda saudade de mais um camarada de armas que nos deixa.

Que descanse em paz.

JM

domingo, 28 de janeiro de 2018

RADIO CANAGE...DUAS HISTÓRIAS

-TESTEMUNHO-

Antes de chegarmos ao  Canage, um sítio onde não havia nada para além do rio e a "picada, após o nosso Batalhão ter sido "despachado" para a Região Militar Leste, durante o  mês de setembro de 1970, acampámos em Camgumbe, a partir daí, participámos na operação "ESCOVAR", combatemos, patrulhámos, reconstruímos pontões, abrimos picadas, recolhemos populações e reorganizámos o quimbo do Caminhão.

Já no Canage, foi construído um acampamento provisório, junto ao rio do mesmo nome. Tínhamos como missão, a proteção próxima e afastada aos trabalhos de construção da futura estrada que ligaria, nos cerca de  400 Km, o Luso a Gago Coutinho.

PLACA COM AS AS DISTÂNCIAS
Foi neste acampamento que o nosso camarada, António Joaquim Piçarra, soldado atirador do 1º pelotão, com apetência e arte para as tecnologias radiofónicas, construiu um posto emissor: um rádio velho, antena, microfone, gira-discos que tinha sido utilizado no "Festival da Canção do Dange 1969" e discos, isto tudo colocado em cima dum caixote de material militar. Assim nascia, o que viemos a chamar, "Radio Canage". O posto emissor funcionava com uma cobertura reduzida, era no entanto,  possível sintonizar na frequência que foi escolhida, em todo o acampamento. Com o nosso locutor de serviço, Furriel Miliciano João Merca, assistido pelo operador de som, soldado atirador António Joaquim Piçarra, difundia música todas as tardes, do tipo "discos pedidos" e simulava spots publicitários. 

Foi com suporte nesta rádio que  estas duas histórias (entre outras), do testemunho, que vamos relatar.

VISTA PARCIAL DO NOSSO ACAMPAMENTO  - " A RADIO CANAGE" FUNCIONAVA NUMA TENDA COMO A QUADRADA DA FOTO

As Histórias

"Relojoaria Canas Seguro"


ESTÚDIO DA "RADIO CANAGE", COM O LOCUTOR FURRIEL MILICIANO MERCA E O FURRIEL MILICIANO SEGURO 
O Furriel Miliciano Canas Seguro tinha residência em Luanda, onde morava com a esposa, aquando da nossa passagem pelo Grafanil. Após a transferência do Batalhão para a RM Leste, manteve a casa onde a esposa continuava a viver; deslocava-se algumas vezes a Luanda, utilizando, aquilo a que hoje chamamos "férias repartidas". Este nosso amigo tinha uma especial vocação para o negócio e quando regressava da capital, vinha munido dum carregamento de artigos para negociar: relógios de pulso, peças de ourivesaria e outros adereços; os seus clientes eram o pessoal da companhia, ou ainda, outros militares que por ali passavam, especialmente das outras companhias irmãs.

No intervalo duma dessas deslocações, foi montado e inaugurado o "Rádio Canage". Quando do seu regresso, tivemos a ideia de simular um anúncio. O nosso comerciante não tinha conhecimento da existência do posto emissor, e, na tenda que servia de casa partilhada com outros camaradas, havia companheiros que  encarregar-se-iam de fazer com que ele assistisse à difusão do anúncio. Quando nos assegurámos que tudo estava em ordem, começou a encenação: na telefonia ouvia-se música; termina a passagem dum disco; neste momento, ouve-se o locutor - "agora é o momento da publicidade", "não tem relógio ou o seu está avariado?", temos a solução! No Canage, dirija-se à 'Relojoaria Canas Seguro',   relógios bons e  baratos, só em 'Canas Seguro'!",  isto acompanhado com música de fundo. O Seguro que estava sentado, dá um salto, fica incrédulo e com ar de espanto, ainda sem acreditar no que estava a ouvir, interroga-nos: "Eh pá! Vocês puseram este anúncio na rádio?!"


O Furriel que se passou para o lado dos "turras"!

O soldado atirador do 3º pelotão, Carlos Andrade (mais conhecido por "Martelão"), chegava duma coluna de proteção ou duma operação, não nos recordamos qual a missão, ao chegar à tenda que dividia com outros militares, sentou-se na cama a descansar. Naquele momento, ouvia-se música dos anos 60, na rádio. Termina uma canção que estava a passar, entra no ar o locutor: "agora música da nossa terra, vamos ouvir, 'Muxima'  do  Duo Ouro Negro". O Carlos Andrade que não estava a par da existência da nossa rádio, exclama, entre a admiração e a interrogação:  "mas isto é o furriel Merca a falar!?" - "Ah então tu não sabes?" questiona outro camarada, - "não sei o quê?", pergunta o Andrade - "O furriel Merca desertou e passou-se para o lado dos 'turras'!" disse outro militar, - "Ah! Eu sempre achei que ele não era bom!", disse o 'Martelão' e remata, "tamém já não come do porco!" (o porco era um animal que tinha sido encontrado e trazido para o acampamento e estava destinado a um assado no forno).

(A história "Relojoaria Canas Seguro" foi presenciada por mim, a história "O Furriel Merca passou-se para o lado dos "turras"!", foi-me contada pelo 1º cabo atirador Joaquim Pereira dos Santos).


F. Santos - Memórias de Angola
5 de janeiro de 2018

PS. Dedico este testemunho ao nosso saudoso amigo, Carlos Andrade, que já nos deixou. Amigo, onde estiveres vais rir à gargalhada destas lembranças! Até um dia! Um abraço de saudade!

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O ALFERES QUE QUERIA TIRAR A CARTA DE CONDUÇÃO, MAS ...HAVIA OUTRAS IDEIAS!

-TESTEMUNHO-

Breno Botelho de Vasconcelos, açoriano, natural do concelho de Ponta Delgada, ilha de S. Miguel, era o alferes miliciano que comandava o 3º pelotão da Companhia de Caçadores 2505. Figura franzina, oficial de trato afável e educado, tinha alguma dificuldade em deslocar-se nas operações com incursão nas matas dos Dembos, norte de Angola. Era ajudado algumas vezes, pelos soldados do seu pelotão, no transporte da mochila e algum material.

BAÍA DE LUANDA NOS ANOS 69/71 

Depois de passadas as dificuldades do Dange, com o regresso a Luanda pelo Natal, à nossa companhia foi confiada, entre outras missões (patrulhamento  dos bairros periféricos de Luanda, escolta ao comboio de Luanda/Catete, escolta a colunas MVL para o norte de Angola), a guarda à "rede de Luanda". A guarda à "rede de Luanda" constava de cerca de 50 postos de vigia, começava junto ao mar a nascente e prolongava-se até à outra ponta do mar a poente, numa extensão de cerca de 15 KM, nos limites da cidade (cercada por arame farpado em todo o círculo). Ao longo da rede existia uma "picada", que era percorrida pelas patrulhas de ronda que zelavam pelo bom funcionamento da vigilância. Essas patrulhas eram compostas pelo condutor da viatura e por um graduado (normalmente um furriel ou um alferes). Havia, salvo erro, duas saídas de viaturas (estradas para o Cacuaco e Catete) e, uma de peões, onde era feito controlo das saídas e entradas.


INICIO DA REDE COM ENTRADA NO MAR
FOTO CEDIDA PELO FURRIEL M PIMENTA
POSTO NR 1   FOTO  CEDIDA  PELO
FURRIEL M PIMENTA












O alferes miliciano Breno de Vasconcelos, como a grande maioria dos militares não era portador de carta de condução: ambicionava tirar a carta naquele tempo de estadia em Luanda, não se tinha inscrito numa escola de condução, mas aproveitava todas as oportunidades, nos dias em que estava de ronda à rede (que era quase dia sim dia não). Certo dia em que o Breno estava de ronda, como sempre trocou com o condutor para treinar a condução. Nisto aparece na "picada" outra patrulha. Esta patrulha era formada por um condutor e o comandante do batalhão, tenente coronel António Soares. O comandante mandou parar a viatura onde seguia o nosso alferes e perguntou-lhe: "quem é o responsável da patrulha?", - responde o Breno ao volante do jipe: "sou eu meu comandante", - o comandante interroga-o de novo: "então o que está aí a fazer ao volante?",- diz o Breno: "estou a aprender a conduzir meu comandante",   - o comandante, com cara de poucos amigos, argumenta e ordena: "está a aprender a conduzir, então não tem carta de condução, quando chegar ao Grafanil, passe pelo meu gabinete" - "sim meu comandante" remata o Breno .

ALFERES VASCONCELOS E FURRIEL SIMÕES FOTO CEDIDA PELO FURRIEL SIMÕES
No gabinete do comandante continuou o interrogatório ao alferes prevaricador. Em conclusão: o alferes miliciano Breno Botelho de Vasconcelos, saiu do gabinete com uma pena de prisão e transferência para outra companhia. A companhia de destino foi a CCaç 2569.

Já quase no final de comissão chegou ao nosso conhecimento o seu falecimento, ocorrido a 26 de abril de 1971, num acidente (ver dados do falecimento do alferes). Ver também: Cronologia da Guerra Colonial - 1971 "Em Angola quatro militares da CCaç 2569 morrem em acidente", entre eles estava o alferes miliciano Breno Botelho Vasconcelos.


A sua terra natal, Pilar Da Bretanha, no concelho de Ponta Delgada, homenageou-o, atribuindo o seu nome a uma artéria da localidade "Rua Breno Botelho de Vasconcelos".

Quanto ao tenente coronel, António Soares, depois de terminada a comissão, regressou a Portugal, mas não por muito tempo, voltou a  Angola para comandar um novo Batalhão. Nesta comissão de serviço, foi saneado pelos oficiais do batalhão e apeado do comando. Esta ocorrência relatada, nas suas próprias palavras, num encontro de graduados e familiares do nosso batalhão. Extrato do vídeo do ex-furriel miliciano Manuel Pimenta: (Clique aqui para ouvir a comunicação do comandante do Batalhão de Caçadores 2872). Faleceu a dia 2 de setembro de 2014, com 93 anos de idade.

F. Santos - Memórias de Angola

PS. O diálogo entre o alferes e o comandante, poderá não ter sido exatamente como o descrito, mas resulta de muitas conversas com outros camaradas. Seja como for, não deve ter andado longe do relato. As consequências, essas  foram as do testemunho. FS