terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

CERCO AO MUSSEQUE DO CAZENGA

-TESTEMUNHO-

O Musseque do Cazenga, bairro da periferia de Luanda, como tantos outros existentes nesta cidade. O Batalhão de Caçadores 2872, batalhão de intervenção, estava aquartelado no Campo Militar do Grafanil, tinha por missão o patrulhamento destes bairros que eram constituídos por casas térreas de barro, sem grande organização, e com ruas de terra batida. A polícia fazia a segurança na cidade, onde existia o comércio e habitações dos europeus, a cidade europeia. As patrulhas militares destinavam-se a manter a presença militar nestes bairros e eram feitas usando armas automáticas de guerra, nada de pistolas (as pistolas eram usadas, às vezes, pelos graduados, que chefiavam as patrulhas). Estas patrulhas serviam para tentar detetar movimentos de guerrilheiros, vulgo "turras", no seu interior e manter a ordem.

Foto de Manuel Pimenta extraída dum slide: vista geral do bairro Cazenga nos anos 69/70
Seria 3 horas da manhã, duma data que não consigo precisar, mas seguramente do ano de 1970, soa o toque de alvorada no Batalhão de Caçadores 2872. O que se preparava? Eu pelo menos não sabia, mas a companhia 1782 do batalhão 2830, teria sido informada duma missão  muito diferente da que veio acontecer. Esta companhia estava adida ao nosso batalhão, no serviço de intervenção, fazia todas as missões como qualquer companhia pertencente a esta unidade. Numa passagem do livro do Batalhão 2830, pode ler-se na página 316:

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"...em formatura geral, pediam-se voluntários na Companhia 1782 e no Batalhão 2872 para participar como figurantes numas filmagens, lá para a barra do Cuanza, a horas desusadas e clandestinas, exactamente na companhia dessas artistas recém-chegadas à capital de Angola. Seria um filme ousado, com cenas violentas e doces, sobre a história do terrorismo, para correr Portugal e o mundo.
A tarde desse dia foi estranhamente atarefada. Com sonhos de sorrisos doces, entre conversas de ensaio imaginário e lances aventureiros, engraxavam-se botas, alisavam-se fardas, camuflados e lencinhos.
A altas horas da noite chegaram as viaturas para a numerosa tropa voluntária avançar.
"Como furriel mais antigo - conta o fur. enf. António R. Morais - eu ia a comandar uma viatura. E a certa altura, o condutor, também todo engraxadinho e que era da Região Militar de Angola, começa a gozar:
-Ó meu furriel, vocês caíram como patos.
- Porquê?
-Vocês vão fazer uma batida aos musseques e não é nada de filmagens.
Efectivamente, tratou-se de uma batida ai pelas 3/4 horas da manhã em colaboração com a polícia. Por secções, a tropa fazia o cerco ao musseque e esse cerco ia-se apertando ou comprimindo. A polícia arrombava as portas e entrava por lá dentro a fim de identificar as pessoas. Foram apanhados tipos suspeitos, sem documentação ou fugidos à justiça. Muitos foram levados para a prisão."
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A nossa companhia, a Companhia de Caçadores 2505, participou com todos os efetivos nesta operação, onde terá participado a CCS - Companhia de Comandos e Serviços, não tenho a certeza se participou. A nossa missão consistia, tão só, em cercar o bairro, sem deixar qualquer passagem a não ser a de controlo.

 Lembro-me que comandei uma secção, colocada na extremidade norte do bairro, onde passava uma vala. As instruções consistiam em indicar às pessoas, que eram retiradas das casas, para seguirem pela direita até à saída. A polícia participou sob orientação dos civis (na altura não imaginávamos quem seriam, hoje, podemos fazer conjeturas), tiravam toda a gente do interior das habitações. Na saída era feito o controlo, dos habitantes do bairro, pelos referidos polícias e civis. Quem não tinha documentos ia para as viaturas (camiões e camionetas - vulgo "machibombos"), mas houve também quem tivesse documentos que seguiu para as viaturas e o seu destino terá sido o Governo Civil.
Foto de Manuel Pimenta extraída dum slide: Bairro Cazenga
O que aconteceu no Governo Civil não pudemos testemunhar, mas a esta distância não será difícil imaginar!!!

Operações deste tipo, só me recordo desta, mas seria habitual, de tempos a tempos, serem efetuadas. Partiriam de informações recolhidas no interior do musseque, da presença de dirigentes dos movimentos guerrilheiros, que estariam de visita ao bairro, para rever familiares, recolha de fundos e de mantimentos. Passariam nos postos de controlo da rede, com identidades falsas, iludindo assim a vigilância.

F. Santos - Memórias de Angola
14 de janeiro de 2018

domingo, 18 de fevereiro de 2018

CONFRATERNIZAÇÃO NA ASSOCIAÇÃO DOS FUZILEIROS NO BARREIRO

-NOTÍCIA-

Teve lugar no passado dia 8 de Fevereiro, uma confraternização que contou com a presença de vários combatentes do Batalhão de Caçadores 2872 e que na Associação dos Fuzileiros no Barreiro, decorreu num ambiente de grande camaradagem e amizade.

Por iniciativa de alguns elementos da companhia irmã 2506, estes almoços já se vinham a realizar naquela associação há quatro ou cinco anos. A estes encontros compareciam, também, alguns camaradas daquela companhia, que da região do Grande Porto, se deslocavam ao Barreiro para estarem presentes. Foi convidado pelo Carlos Jorge para num dos primeiros almoços estar presente, e desde aí, salvo uma única vez e por imperativos motivos, nunca deixei de estar presente.

Estes encontros que contavam com perto de 10 participantes, talvez com uma exceção para o último realizado em 11 de Julho de 2016, onde dado o seu posterior falecimento foi a última vez que revi o Manuel Arvelos, Furriel Mec/Auto da CCS. Desta vez como que por varinha mágica no passado dia 8, as participações a esta confraternização aumentaram para 25. Este número foi atingido pela presença de pelo menos 4 elementos de cada companhia do Batalhão, o Major Lo, então 2º. Comandante do Batalhão que a companhia 2506 reforçou em terras do sul de Angola e a de um outro participante que penso ser amigo do C Mota.
ALMOÇO DE JUL/2016 - HOMENAGEM AO MANUEL ARVELOS - EM BAIXO 2º DA ESQUERDA
Acabada a refeição na base do cozido à portuguesa, prato do dia e já depois de servido o café, tomaram a palavra o então Major Ló, o comandante da companhia irmã 2504, na altura Capitão Miliciano Conde e Silva e eu próprio, que em síntese aproveitei a oportunidade para opinar sobre a importância destes encontros transbordantes de amizade e camaradagem propondo a sua realização pelo menos de seis em seis meses e também, que num futuro, as confraternizações anuais das companhias pudessem vier a realizar-se a nível do Batalhão.

Uma palavra ainda, para elogiar a maneira afetiva como fomos recebidos na Associação dos Fuzileiros, onde o serviço teve nota mais, na qualidade, quantidade e até no custo.

Foi pela iniciativa do Carlos Neves que passado mais de um ano, lembrou que era altura de realizarmos mais um almoço aproveitando-se a presença do nosso Fernando Santos regressado da Cidade da Praia, contando na logística e no terreno com o Fernando Temudo.

Assim, para os meus grandes amigos Carlos Neves, o da ideia, o impulsionador, o Fernando Temudo o trabalhador incansável, o organizador, no mais insignificante pormenor, aqui fica o nosso obrigado e vincado elogio.

AS FOTOS
OS MOINHOS
OS MOINHOS












A ASSOCIAÇÃO
A MESA










O ALMOÇO

O ALMOÇO - AS CONVERSAS

O CONVÍVIO - NEVES E SANTOS
O CONVÍVIO - PIMENTA, SANTOS E NEVES












OS DISCURSOS
OUVINDO OS DISCURSOS










A FOTO DE FAMÍLIA
O VIDEO
jMerca

Fotos: F  Santos e J Merca
Video: F Santos

domingo, 4 de fevereiro de 2018

A PARTIDA E OUTRAS HISTÓRIAS

-TESTEMUNHO-

PAQUETE UIGE NA PARTIDA DO BATALHÃO DE CAÇADORES 2872 A 8 DE MAIO DE 1969
Charneca de Torres e Cercas, na freguesia e concelho de Silves, terra onde nasci, decorria o mês de agosto de 1947, precisamente no dia 25. Aí permaneci até aos onze anos, frequentei neste período, o posto escolar da Fonte Figueira, que distava da minha casa cerca de 4 Km, distância que fazia a pé, ida e volta, de segunda a sexta-feira.

Aos onze anos fiz o exame de admissão à Escola Industrial e Comercial de Silves, com aproveitamento. Os meus pais, matricularam-me naquela escola, nesse ano, no 1º ano do ciclo preparatório. Para me facilitar a vida, fixaram residência numa aldeia que fica entre a beira serra e o castelo de Silves. Ali conheci muitos amigos, entre eles, o Abel Santos, com quem partilhei muitas brincadeiras.

CASA ONDE MOREI NO  MONTE BRANCO - SILVES
No dia 4 de maio de 1969, domingo, estive com este amigo num baile do "marroquino", naquela aldeia, nesta ocasião, falámos da tropa e de muitas outras coisas. Contei-lhe na altura que estava mobilizado para Angola e que partia na quinta-feira seguinte, ele disse-me que ia para Moçambique, mas não sabia quando partia para aquela província.

No dia 7 de maio de 1969, embarquei na estação de Silves, no comboio com destino ao norte, fiz alguns transbordos até chegar ao apeadeiro de Santa Margarida, no concelho de Abrantes, onde cheguei na madrugada do dia 8 de maio de 1969. Ali aguardava-me o comboio, que me levaria até Lisboa, para embarcar no paquete Uíge.

O Abel estava, naquele  dia, no cais da Rocha de Conde de Óbidos, local de partida com destino a Angola. Viagem atribulada: começou com enjoos e o cambalear pelo barco como se estivéssemos com uma bebedeira; ao fim de alguns dias passou e entramos na normalidade; os graduados tinham no navio instalações aceitáveis (bar, salão de refeições e camarotes que os furriéis, no meio caso, dividiam com outro camarada); as das praças já não posso dizer o mesmo; desloquei-me, um dia em que estava de serviço de sargento dia, ao porão do navio, onde se amontoavam estes militares, em condições deploráveis, para não dizer outra coisa. Em consequência destas condições, havia muitos soldados que levavam os colchões para convés, colchões, que para o final da viagem, não regressavam ao local de origem, pois eram atirados ao mar, criando alguns problemas, porque a nossa viagem demorou mais tempo do que o habitual (presume que com uma avaria nos motores do navio), 13 dias em vez de 8. Finalmente, chegámos no dia 21 de maio de 1969, ao porto de Luanda.

Tenho apenas uma foto do interior do barco no salão de refeições.

SALÃO DE REFEIÇÕES DE GRADUADOS NO UIGE -  F SANTOS AO CENTRO
Ao pisarmos terra firme em Luanda, voltamos a cambalear, não sabia que isso poderia acontecer depois duma longa viagem de barco. Fomos levados para o Grafanil, pernoitamos debaixo duns telheiros que tinham umas estruturas de cimento com mais ou menos um metro de altura. Dormimos em cima dessa estrutura, nessa noite, antes de seguirmos para as instalações reservadas ao batalhão.

CIDADE DE LUANDA , ANOS 1969/1971
No dia 23 de maio de 1969, sábado, como a maioria dos militares, os sargentos (onde se incluíam os furriéis) e oficiais, rumei à cidade de Luanda, no machibombo militar (autocarro),  as praças eram transportadas em berliets ou de boleia, jantei num restaurante de Luanda (não me lembro se na Floresta se no Polo Norte), ao entrar na esplanada da "Cervejaria Portugália"(ponto de encontro de muitos militares portugueses), ao passar por uma mesa, senti uma mão a agarrar-me o braço, era o Abel, 1º cabo especialista da Força Aérea Portuguesa! Perguntei-lhe se o destino dele tinha mudado para Angola, disse-me que não, que estava ali em trânsito, tinha vindo de avião e que partia no dia seguinte para Moçambique. Bebemos umas cervejas, conversamos e a determinada altura estendeu-me um subscrito e disse-me: "isto é para ti, pensava em escrever-te de Moçambique, mas entrego-to já". Abri o envelope e encontrei no interior a foto do barco na partida, perguntei-lhe: "o que é isto?",  - ele responde-me: "é a fotografia do barco onde vieste, eu estava no cais nesse dia" (primeira foto do testemunho).

PORTUGÁLIA - PONTO DE ENCONTRO DE MILITARES PORTUGUESES NOS ANOS 69 E 70 EM LUANDA
Voltei a encontrar o Abel em 1971, no regresso da guerra, continuamos amigos até hoje.

F. Santos - Memórias de Angola
12 de janeiro de 2018