A comissão de serviço na então Província
Ultramarina de Angola, estava a aproximar-se do fim. Estávamos num local
denominado Canage, onde tínhamos levantado um acampamento provisório.
A nossa missão era a de efectuar protecção próxima
aos trabalhos de construção e posterior asfaltagem da estrada que pretendia
ligar a cidade do Luso a Gago Coutinho. Também em complemento da protecção
próxima, efetuávamos uma protecção afastada com a realização de operações de 3
a 4 dias patrulhando, reconhecendo,
efectuando escoltas a colunas de reabastecimento ou outras e até se necessário
ir a objectivos indicados pelo oficial de operações do Batalhão.
A engenharia levantou uma barreira da altura mais
ou menos de um homem à volta do acampamento e em forma de quadrado para
essencialmente proteger-nos de possíveis ataques, com armas de tiro tenso. A
savana à volta do acampamento também foi aplanada, alargando assim o nosso
campo de visão.
Após esta introdução com a nossa localização,
vamos passar ao testemunho do que aconteceu.
Dado o tempo, já quase ultrapassado, que algumas
granadas utilizadas na bazuca e morteirete e por estarem quase fora de prazo,
tinham de ser inutilizadas. Desta vez, até nem se tratava de um exercício de
tiro, para armas de tiro curvo, com a finalidade de treinar pontaria.
Normalmente a bazuca e o dilagrama eram as armas utilizadas pelo Piçarra
enquanto o morteirete quase sempre pertencia ao Baião.
Pretendia-se numa das extremidades mais afastada
do centro do acampamento, disparar estas armas por cima da barreira que nos
protegia e assim inutilizarmos as munições que estavam quase fora de prazo.
Já
tínhamos muitos meses de comissão. Facilitismo? Não sei. O que sei é que se a
granada, passasse mais um metro abaixo, ao rebentar na barreira, iria ferir, se
não matar, alguns camaradas que estavam mais próximo. Quase ninguém se
apercebeu do perigo por estarem a olhar para mais longe. Também, eramos novos
de idade e estas situações por vezes passavam-nos ao lado. Já não recordo tudo, mas lembro-me de ter questionado o homem da bazuca. “ Atenção pá! Eleva o ângulo de tiro! Essa passou muito perto da barreira! Olha lá essa mer….!” “É o que tenho estado a fazer.” Foi a resposta do homem da bazuca.
A coisa ficou por aqui, mas tenho a certeza do que
naquela altura vi, dado estar focado a tirar fotografias e estar no enfiamento
da cena. Costumo sempre dizer, que de entre muitas outras razões, inclusive o
treino militar que tivemos, a sorte acompanhou-nos, estando sempre do nosso
lado.
Estava muito próximo e poderia ser um dos
atingidos, juntamente com outros camaradas que assistiam e também estavam
perto. Claro que esta situação foi um motivo para à noite comentar com alguns
camaradas graduados, que pouca importância deram ao caso e festejar com umas
bem aviadas “bejecas”, pois a minha teoria de um dia de cada vez, estava a
resultar e este dia já tinha passado.
Claro que estivemos muito perto de sofrer um
acidente, numa das vezes que se disparou a bazuca, dado que tudo o resto correu
bem. Penso que o que se passou foi assim: O municiador, que já não me lembro
quem era, colocou a granada na parte traseira da bazuca e após efectuar as
ligações, dá como pronta a função e bate duas vezes com a mão na cabeça do
apontador. Após receber o ok do municiador o apontador de imediato disparou. O
ok com as duas palmadinhas e dado o acto continuo de disparar, deve ter motivado
o abaixamento da boca da bazuca, fazendo com que desta vez a granada passa-se
mais perto, do cume da citada barreira de protecção. O fotógrafo estava lá,
pois caso não estivesse, talvez, não narrasse este testemunho.
A sorte
mais uma vez nos protegeu, sendo nós audazes ou não.
JM