Zarpámos
em plena noite, sem antes nos despedirmos, com uma olhadela curiosa, ainda de
dia, ao navio Império, que tinha
também acabado de levar tropas e que aguardava a saída do Vera Cruz a fim de acostar para início das operações de
carregamento.
|
NAVIO IMPÉRIO |
|
AS LUZES DO CAIS DE LUANDA,JÁ BEM LONGE |
Embora
cansados, conservámo-nos na amurada até deixarmos de ver totalmente Angola. E,
com a linha do horizonte a evidenciar a curvatura do planeta, já em pleno
alto-mar, era impossível dormir, com toda aquela azáfama. Bagagem de mão bem arrumada
no Camarote, o Bar do navio era o poiso de toda a “maralha”, alguns começando a
sua dose diária de bebedeira, reforçada ao momento por razões óbvias, ou por contentamento
indisfarçável ou por confusão mental súbita fruto do balanceamento do que
deixam e da nova e inesperada vida que vão encontrar … lá longe.
|
BELICHE NO CAMAROTE |
|
RASTO DA VELOCIDADE DE 21 NÓS |
Na
segunda noite seguinte, 23, seria a famosa Noite de São João da minha cidade do
Porto, que ainda não saborearia.
O Vera Cruz, tal como o Império, o Uíge, o Niassa, o Índia e
o Pátria, penso que não me falha mais
nenhum outro, eram navios que estavam fretados para transporte de tropas,
portanto, tinham os seus porões adaptados com beliches feitos em madeira para
acomodação das Praças. Tive que me deslocar lá uma vez, por razões de Serviço à
Companhia, e verifiquei as condições paupérrimas em que o pessoal viajava,
acrescida do facto perturbador da alta pressão atmosférica a que os corpos se
sujeitavam, porquanto se encontravam abaixo da linha-de-água.
Como é
normal nas viagens marítimas, são dadas instruções aos passageiros sobre o
procedimento a adotar em caso de emergência, com a indicação da baleeira que
lhes está destinada, e há sempre uma ou mais ocasiões, a decidir aleatoriamente
pelo Comandante de Bandeira (neste caso, porque transportava tropas) ou pelo
Comandante do Navio, para um exercício súbito e inesperado. As Praças, ao apito
do navio para esse efeito, tinham mais dificuldade em chegar prontamente ao
convés, não só pelo local onde se encontravam mas também pela sua maior
quantidade. Havia que procurar controlar toda esta dificultosa situação, por
razões do foro militar e de obrigação naval.
|
EXERCÍCIO PARA EMERGÊNCIA |
|
NAVIO NO GOLFO DA GUINÉ |
Uma
bela tarde, em pleno Golfo da Guiné, vemos um navio mercante em rota de colisão
com o nosso. Nada percebíamos de Leis Marítimas, mas fomos informados que
aquele barco teria que dar passagem ao Vera
Cruz e ser ele a desviar a sua rota, o que não fez. Não se conseguia vislumbrar
vivalma e estivemos muito perto dele. Parece que viria em Piloto Automático,
foi-me dito, depois, por um Oficial de Bordo. Óbvio que o piloto do nosso barco
é que teve de guinar para a direita e fazer um círculo completo, retomando
depois o rumo.
Passámos
ao largo de São Tomé e Príncipe, da Guiné, depois Cabo Verde e seguíamos o
nosso destino para Lisboa, quando nos chega a informação que aportaríamos
primeiro ao Funchal. E Porquê? Exatamente porque tínhamos partido atrasados de
Luanda decorrente das 12 horas gastas pelo Vera
Cruz na sua paragem aquando da ida. É que o tempo é controlado ao máximo
para efeito de articulação com outros fatores. Levávamos a bordo duas Companhias
de Caçadores Independentes cuja Unidade Mobilizadora era um Quartel de Ponta
Delgada. Estava previsto o seu desembarque em Lisboa e simultâneo transbordo
para outro navio cujo percurso é a triangulação dos Arquipélagos da Madeira e
dos Açores. A fim de se evitar o atraso de saída desse barco o Vera Cruz foi descarregar essas
Companhias ao Funchal que ficaram a aguardar a chegada do tal outro para
posterior embarque para o seu efetivo destino. Esta alteração proporcionou-nos
a oportunidade de conhecer a Ilha da Madeira, pois tivemos autorização de
saída. Em grupos, alugámos um carro e percorremos aquela maravilhosa Pérola do Atlântico, como a cantava o
grande Max.
(acentuando
o último a). Exactement comme l’Algerie!”,
talvez lembrando-se da Guerra da Argélia. Teria sido ele também Combatente?
Carlos
Jorge Mota