=OPINIÃO=
Foi notícia na passada semana o desaparecimento temporário de dois
cadetes fuzileiros, num exercício que faz parte da sua instrução militar.
Este facto, fez-me recuar 52 anos no tempo e recordar a minha fase de
instruendo no CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais).
Embora o que vou relatar, seja um assunto anterior à formação da nossa
Companhia, entendo mesmo assim, aqui deixar a minha opinião/testemunho.
Decorria o primeiro semestre de 1968 e no CIOE era ministrada somente ao
COM e CSM (respectivamente Curso Oficiais e Sargentos Milicianos), a
especialidade de Operações Especiais. Naquele tempo, os elementos saídos desta
especialidade, viriam a ser futuros graduados na formação de Companhias de Comandos,
de acordo com as suas vontades e ou classificação.
Certo dia após o jantar, todo o nosso grupo de combate foi assistir a
uma sessão de cinema, num salão que normalmente servia para este efeito. Após o
“The End” e mal as luzes se acenderam, subiu ao palco um tenente que em grande
gritaria e sem qualquer explicação transmitiu uma ordem: “Têm um minuto para
formar”.
REFEITÓRIO CIOE 1968 |
SALÃO CINEMA |
Como estávamos fardados com o camuflado foi mais rápida a formatura, mas
mesmo assim, dado o pouco tempo para o grupo ser apresentado, acabaram por
vários camaradas, incluindo os respectivos comandantes de equipa, secção e
grupo de combate terem de pagar os atrasos com os respectivos exercícios
físicos (normalmente flexões de braços, abdominais, cangurus e flexões de
braços numa barra que ali se encontrava para o efeito).
Depois de um nosso camarada, que naquela altura comandava o grupo e que não
recordo o nome, o ter apresentado ao tenente, como pronto e com o castigo
cumprido, retiraram tudo o que tínhamos nos bolsos, ataram-nos as mãos atrás
das costas, taparam-nos os olhos e equipa por equipa, sem qualquer explicação, ia
entrando para uma viatura pesada com capota. A minha viatura arrancou depois de
uma viagem que para mim foi longa, finalmente parou. Senti-me agarrado e quase
transportado ao colo desceram-me da viatura. Lembro-me de ter gritado para os
meus camaradas, como já dois anteriores tinham feito, pronunciando o meu nome quando
me estavam a descer da viatura. De
seguida mandaram-me sentar no chão e quase ao ouvido, segredaram que tinha como
ordem regressar com a ninha equipa ao CIOE e no caso de sermos encontrados,
sofreríamos as consequências. Por último só ouvi o ruído da viatura a
afastar-se.
Que fazer? Não sei onde estava. Tentei desamarrar-me sem conseguir.
Senti com as mãos que o chão tinha caruma (folha do pinheiro) e que porventura
estava encostado a um. Tentei levantar-me, mas tropecei e caí. Levantei-me e
tentei deslocar-me pé ante pé. Dei alguns passos e senti ruído ainda muito
abafado. Perguntei quem estava aí. Já não me recordo quem, mas penso que era o
Pereira, elemento da minha equipa e infelizmente falecido neste curso, num
exercício de progressão debaixo de fogo real. Viemos ao encontro um do outro e
costas com costas, conseguimos desamarrarmo-nos. Não tínhamos nada connosco,
nem um simples relógio. Fomos logo ao encontro dos outros elementos da equipa,
que também já estavam operacionais para prosseguir a nossa futura caminhada. A
minha equipa era constituída pelo Vigia, Pires, o falecido Pereira, Campos da
Cia irmã 2504 e eu próprio. Tudo era escuro e não sabíamos onde estávamos. Caminhámos
até encontrarmos três caminhos e por sugestão do Campos seguimos pelo do meio.
Mais à frente, mas ainda longe, avistámos uma pequena luz e para lá nos
dirigimos.
Tratava-se de uma casa isolada. Apareceu ao ouvir ruído uma mulher, a
quem logo perguntámos onde estávamos. -Oh! Meus filhos! Também tenho um filho
na Guiné. Vocês ainda estão muito longe de Lamego. Caminhem por este carreiro e
mais à frente vão encontrar uma estrada, que vai dar a outra que vos levará à
cidade.
Tínhamos duas hipóteses. A mais fácil era seguir a indicação daquela
mulher. A outra com mais dificuldade de sermos detectados seria progredirmos a
corta mato. Optámos por ir pela estrada tomando especial atenção para as
patrulhas que se encontravam muito reforçadas pela CCS do CIOE.
Não podemos esquecer que estamos no ano de 1968, raramente encontrávamos
pessoas e nas estradas passava uma viatura de quando em vez. Até chegarmos ao
quartel vários episódios aconteceram. Tivemos de fugir várias vezes das
patrulhas camuflando-nos na borda da estrada, em que uma das vezes ao
rebolarmos por uma pequena ribanceira saímos todos picados com o tojo que
existia no pinhal, comemos cerejas empoleirados numa cerejeira e o mais
estranho foi o de já rompendo a manhã, comermos numa pequena tasca bacalhau
demolhado com um copo de tinto. Penso que quem pagou foi o Pires, que tinha
escondido escapando à inspeção, uma nota de vinte escudos muito enroladinha
numa bainha do quico. Acusando em muito a instrução do dia anterior as
peripécias passadas e os quilómetros percorridos, chegamos por fim ao quartel.
Resumindo este exercício, podemos dizer que contando com a surpresa, o
incerto as dificuldades de orientação e outras, fomos deixados nos pinhais de
Castro Daire e conforme o percurso a trinta ou quarenta quilómetros de Lamego.
Estávamos a aprender o lema das Operações Especiais, “QUE OS MUITOS, POR SER
POUCOS, NÂO TEMAMOS”.
Depois de todo este já longo testemunho, quero opinar que um país com
forças armadas, tem a obrigação de preparar muito bem os seus militares, de
acordo com as funções que irão desempenhar nos seus vários ramos. Uma ou outra
vez, também é notícia um acidente nessa preparação, mas colocando de parte um
possível exagero, muito pior seria se num teatro de guerra não tivessem essa
preparação. Claro que falo das tropas mais operacionais que deverão possuir a
mais extrema preparação militar, disciplina, capacidade de sacrifício e os mais
altos conhecimentos de operacionalidade militar.
Na minha experiência militar como miliciano (quase quatro anos), os 27
meses passados em Angola em zona 100% operacional, foram mais facilmente
suportados, dada a preparação militar anteriormente recebida. Tive contacto com
alguns militares que conheciam mal a arma que lhe estava distribuída.
ZENZA |
DANGE |
A nossa Companhia episodicamente teve contacto com o inimigo, mas estou
plenamente convencido, que a nossa postura no terreno teve grande importância.
Já anteriormente escrevi que, a disciplina, todo o nosso saber mecanizado na
instrução militar, a nossa capacidade de sacrifício e abnegação eram sempre em
operacionalidade postos à prova. A Companhia 2505, pela instrução militar que
obteve na sua formação estava bem preparada, para a missão que lhe iria ser
atribuída. Era costume exclamarmos: -“Não somos melhores nem piores, somos diferentes”.
JM