-TESTEMUNHO-
Decorria o mês de
Dezembro de 1969 e continuávamos no Estacionamento Loche, nome atribuído ao
acampamento em bivaque, situado junto à foz do rio com esse nome. Estávamos a 3 Km da ponte já construída sobre o rio Dange, que ligando as suas margens, nos dava passagem para a Fazenda Maria Manuela.
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Estacionamento Loche |
Estávamos, também, a chegar ao
fim da Operação Grande Salto, pois a nossa missão de alimentar e proteger a
Companhia de Engenharia que construía aquela ponte, assim como, o melhoramento
da picada até à Fazenda Maria Fernanda, estava praticamente concluída.
Nessa altura, o efetivo
da Companhia resumia-se a três grupos de combate e os especialistas, pelo facto
de um grupo de combate ter marchado para a Fazenda Maria Manuela, na margem
oposta do Dange onde ficaria instalado continuando a dar proteção à Engenharia.
Assim a Companhia deixou de dar proteção à Engenharia, passando a escoltar
somente os MVLs, no itinerário Piri-Fazenda Maria Manuela-Ponte
Dange-Loche-Missão-Fazenda Maria Fernanda e vice-versa, em que o ir e vir eram
aproximadamente 120 Km.
Esta missão não era má de
todo, não fosse o itinerário a percorrer versus inimigo, o cansaço de todo o
pessoal após quase seis meses nesta operação, as chuvas e também a redução de
pessoal que a Companhia suportava. Era alinhar só com um dia de “descanso parcial”,
dia em que um grupo de combate ficava no acampamento, com alguns camaradas
doentes, mas que também tinha de providenciar a sua segurança e as tarefas
normais do dia, tais como ir à água e lenha, fascinas várias, à cozinha e
outras para a manutenção do acampamento. Enfim não estavam nesse dia na picada
e dormiam no acampamento.
Estávamos a efetuar duas
e três escoltas por semana, o que equivale a passarmos quase todo o tempo na
picada. A chuva dificultava-nos a missão, com o atascar das viaturas principalmente
as civis, motivando significativo atraso no chegar ao destino, assim como, menor
descanso para o pessoal por ter de dormir na picada, em condições de chuva e
lamaçal.
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MVL Viatura Atascada |
Dada a localização do
inimigo na zona, foi-nos também atribuída a missão de efetuarmos um golpe de mão,
a um quartel localizado e denominado “Líbia”, na zona do Cunha & Irmão. A operação
decorreu sem problemas de maior, encontrando-se o quartel recentemente
abandonado. Procedeu-se à sua destruição e também foram efetuados alguns
disparos, para o que nos pareceu inimigo em fuga.
Após todo este preambulo,
descrevendo como foi o nosso mês de Natal, chegou a notícia por nós há muito
esperada. Estava para breve a chegada de viaturas civis, para transporte de
todo o material da Companhia com destino a Luanda.
Após
ansiosa espera, as viaturas só chegaram junto à noite do dia 23 de Dezembro,
não sendo possível o abandono do Estacionamento Loche no dia 24. A esperança de
ainda passarmos o Natal em Luanda tinha-se esfumado. Creio que por ação do
nosso Comandante de Companhia, assim como todo o nosso empenho em depressa abandonarmos
o acampamento, ainda foi possível passarmos a consoada na Fazenda Maria Manuela,
juntando-nos assim ao grupo de combate que já lá se encontrava desde o
princípio do mês. Esta fazenda comparada com o Estacionamento Loche, não o
sendo, parecia uma cidade.
Para a frase “parecia
uma cidade”, tenho uma pequena estória recordando o que passámos durante esta
deslocação para Luanda. O Victor Manuel Abrantes, natural de Oliveira de
Hospital, a que todos chamavam o “Preto” dada a tonalidade bronzeada da pele,
pertencia ao meu Grupo de Combate e era um dos homens da 2ª. Secção que o V
Rodrigues comandava. Tinha recentemente comprado um relógio com mostrador
luminoso que exibia com muita vaidade. Viajava numa Berliet com o meu pessoal
onde o Abrantes por logística também seguia. Pois bem! Com o dia a desaparecer
o Abrantes não parava de exclamar: “Oh meu Furriel caxxxxo!” “Parece uma cidade”.
Esta ficou para sempre e sempre que o pessoal passava pelo Abrantes interpelavam-no:
“Oh pá! Mostra lá a cidade!”. Muitos episódios, com ou sem graça, existiam para
além da guerra, que por norma pouco recordamos neste blogue. Aqui fica mais um.
Desde o nosso regresso ao “Puto” nunca mais tive qualquer contacto com este camarada
de armas. Mas vamos continuar…
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Picada para Fazenda Maria Manuela |
Já era noite quando
chegámos à fazenda e tivemos logo conhecimento da possível visita do 2º.
Comandante do Batalhão. Depois da terceira refeição melhorada, seguiu-se uma
consoada muito regada com cerveja Nocal, tendo o whisky também respondido à
chamada. Não sei como o marisco ali apareceu com tanta fartura. Acordei no chão,
encostado a uma saca que ainda tinha lagostins, ao lado da velha grade de
cerveja, em que algumas ainda mantinham tampa. Luanda e o marisco eram demais.
Sentavas-te numa esplanada e ao pedires uma canha, traziam-te para acompanhar
um prato de gambas.
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Fotos Fazenda Maria Manuela |
O dia seguinte, 25 de
Dezembro, amanheceu e tenho registo que não chovia. Era o dia da partida para
Luanda, onde nos foi atribuída a missão de proteger a cidade na Rede
Periférica. A Operação Grande Salto tinha chegado ao fim. Depois da alvorada, seguiu-se
a primeira refeição e depois de algumas formalidades militares, partimos para
Luanda. O grupo de combate da Companhia, que não consigo identificar e que
estava escalado para proteção à engenharia nesta fazenda, ainda lá permaneceu
até quase ao fim do ano.
A deslocação decorreu
sem problemas e já em coluna militar foi-me ordenado, que à entrada de Luanda
seguisse com uma secção reforçada para Nova Lisboa. Tenho registo de que fui a
Nova Lisboa, mas não recordo qual era a missão. Penso que fui levar ou trazer
algo. A estrada asfaltada era boa, na distância ida e volta de mais ou menos
1.200 Km. Lá pernoitámos, iniciando a deslocação no dia seguinte para o Grafanil/Luanda
sede do Batalhão.
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Uma Pose para Recordar |
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Fotos da Deslocação a Nova Lisboa |
A
Passagem do Ano foi festejada em Luanda, com a Companhia completa.
Texto: João Merca
Fotos: João Merca e M Pimenta