Até hoje, quando se falava no Furriel Temudo, vinha-me logo á baila o cacimbo e a história da escova de sapatos puxada pela trela, qual maluquinho de arroios.
Sabemos agora com exactidão, de tudo o que se passou, e posso afirmar que qualquer semelhança com a realidade, tem alguma coincidência.
Certa vez, apareceu no acampamento da 2506, um cãozinho engraçado rasteirinho e muito felpudo “quase não se lhe viam os olhos”. Um animal sem pedigree, porém inteligente, que rapidamente descobriu quem era o Chefe. Feliz, seguia-o para todo o lado mas impedido de entrar, dormia num tapete fóra da tenda.
Era o xodó da companhia, até que um dia apareceu deprimido, com um aspecto doentio. A vitalidade outrora exibida, de repente desvanecera. Acabaram-se os cólinhos, os mimos, e as risadas das travessuras, porque a sua doença podia ser perigosa. Será Esgana? Raiva? Pior ainda?. Iniciou-se então, uma luta contra o tempo no intuito de fazê-lo espevitar de novo, mas… debalde.
O dia estava abrasador, talvez mais de 40º. Armado em alentejano, parecia até, estar a arranjar lenha para se queimar. Lânguido, e já sem forças para beber, não reagia aos estímulos. Chegou-se “por unanimidade” a uma triste conclusão: Era um caso perdido.
Para aliviar o sofrimento, sabemos agora, que o Furriel Atirador foi incumbido pela chefia, para uma ingrata missão secreta. Tinha de a cumprir até á hora do almoço, e sem hipóteses de recusa. Essa missão era nem mais nem menos, “Assassinar a sangue frio” com um tiro certeiro, o fiel amigo “não confundas com bacalhau”. Para isso, podia sair tranquilo do aquartelamento e sem receio, porque a sentinela seria avisada para não reagir, pois ia soar um tiro.
O Temudo com receio, não podendo esquivar-se da missão, reuniu dois bocados de corda. Pediu depois à chefia, autorização para utilizar em vez da G3, um pequeno revólver que possuía. Autorização concedida.
Com todo o cuidado para não ser mordido, atou a corda á volta do pescoço do animal e incitou a segui-lo. Sem obter resposta, resolveu sem mais delongas rebocar o bicho pela trela. Saiu do aquartelamento, e percorreu a recta de 600 metros, com o animal de rôjo levantando poeira. A meio do caminho, apreensivo, olhou para trás e reparou nos olhares incrédulos de alguns soldados, que atónitos assistiam á cena.
Finalmente chegou á curva, um sítio ideal para cumprir sem testemunhas, a execução imposta. Olhou-o de frente, pediu desculpas, encostou-lhe o pequeno revolver á testa, virou a cara e pum. O pobre cãozinho até recuou, talvez 40 centímetros. Uff... Missão cumprida; descansa em paz.
Iniciou agora o regresso, pensando como iam reagir os soldados ao vê-lo chegar só, de pistola á cinta e G3 ao ombro. Três passos dados, com remorsos olhou para trás. ??!!. e estremeceu! Estarei Cacimbado?
Não queria acreditar no que via; o pobre bicho estava a pôr-se de pé. Aleluia, o malvado ressuscitou. Não sabia se rir se chorar.
Reflectiu melhor e, grande chatice. Tinha de viver tudo de novo. Levantou a franjinha da testa do animal e confirmou a existência do tiro. Tinha só um furinho, o da frente. Se a bala não saiu, pelo menos entrou.
Respeitosamente falou com ele: Perdoa amigo, mas tenho de repetir a dose. Novo ritual e novo tiro. Não tanto, mas uma vez mais o bicho recuou. Será que foi desta? Aguardou um pouco, e afinal o canídeo insistia em não morrer. É mesmo um cão de guerra, pensou. Mas….
Deves estar a gozar comigo!.. Armado em Rambo, largou a pistola, agarrou na G3 e deu-lhe o golpe fatal. THE END.
Era um bom companheiro. Paz á sua alma.
M Pimenta
Imagino o cuidado lá em casa,porque podem perguntar-lhe "já tomaste o pequeno almoço?" Ou então "t’as dejá pris le petit dejeuner?" mais ainda "Did you have breakfast yet?" mas nunca...JÁ MATASTE O BICHO?
ResponderEliminarCoitadinho do bichinho,nao merecia esse triste fim; mas tb fiquei com muita pena, de quem foi obrigado a pegar na arma por duas vezes, pois o caozinho nao queria mesmo morrer, "Pobre chien, Paix à son âme."JT..
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