-TESTEMUNHO-
Na
Messe de Sargentos, havia um gira-discos e várias dezenas de discos. O nosso
tempo, nos intervalos entre operações, patrulhamentos e missões às fazendas
Maria Fernanda e Maria Manuela, uns ouviam música, outros dividiam-se entre a
música e a “batota” ou jogavam simplesmente às cartas, sempre na companhia das inevitáveis
bebidas, que não faltavam no nosso Bar. Assim passávamos o tempo até altas
horas.
BAR DA MESSE DE SARGENTOS NO DANGE |
Certa
noite, ouvindo música, decidimos fazer um “Festival da Canção”, não me lembro
de quem foi a ideia, talvez tenha sido do Whisky! Escolhemos cerca de 20
canções, fomos ouvindo uma a uma, durante mais de 1 hora. Passámos à votação,
cada um votava na sua canção preferida. Quando chegou a vez do Furriel Zé Simões,
verificámos que se encontravam empatadas 3 canções “Non Ho L’Eta” (vencedora do
Festival Eurovisão da Canção 1964) de “Gigliola Cinquetti, “When a Man Loves a Woman” (canção de 1966) de
“Percy Sledge” e "Monia"
(canção de 1968) de Peter Holm.
Contávamos,
nessa noite, com a presença de uma figura ilustre que nos visitava com alguma
regularidade, em serviço ou por amizade, o Doutor Abílio Mendes. Antes de
continuarmos o nosso testemunho, convém falar um pouco, quem era o Doutor
Abílio Mendes: alferes médico, que ao contrário da maioria dos oficiais médicos
(colocados nas cidades ou nos hospitais militares), não beneficiava dos favores
dos Altos Comandos; destacado na região dos Dembos (a menos de 4 KM do nosso
acampamento), numa zona onde só havia mato; fazia parte da Companhia de
Cavalaria “Os Centauros” estacionada junto à Ponte do Dange; gostava de
confraternizar com os furriéis e sargentos da nossa companhia; visitava-nos com
alguma frequência, e, a qualquer pretexto ali pernoitava; gostava do seu
whisky; tinha um compleição gorducha e estava sempre bem disposto; era irmão do
músico Carlos Mendes, que formara com Fernando Tordo, Paulo de Carvalho,
Fernando Chaby e Jorge Barreto, “Os Sheiks” (apelidados na altura de “Beatles
Portugueses”).
Agora
que já sabemos quem era o nosso convidado especial, vamos continuar o nosso
testemunho. Enquanto o Furriel Zé Simões tentava justificar a sua escolha, com
argumentos que mais pareciam uma declaração de voto, o nosso Doutor interrompia-o
com esta frase “Eh pá põe lá os Sheiks”, o Zé Simões tinha de voltar ao
princípio na sua argumentação, isto aconteceu não sei quantas vezes, sempre com
a mesma frase “Eh pá põe lá os Sheiks”,… finalmente terminámos a votação, e foi
declarada como grande vencedora a canção “Non Ho L’Eta” de “Gigliola
Cinquetti”. Esqueci por completo o que terá dito, o Furriel Zé Simões para
justificar a sua escolha.
Depois
de Sanremo - Itália e Copenhaga - Dinamarca, era agora a vez do Dange –
Dembos/Angola, o terceiro “Festival”, em que esta canção triunfava. Como estava
“regulamentado” e previamente combinado, a canção vencedora voltaria ao “palco”
para receber os aplausos do público (que éramos todos nós), mas lá vinha a voz
arrastada do nosso médico, já bem aviado com Whisky, “Eh pá põe lá os Sheiks”,…
escusado será dizer que tivemos de ouvir durante a noite, aquele conjunto,
várias vezes.
Terminado
o serão, alguns amigos furriéis, que a esta distância de 46 anos, não me
recordo quem foram, “transportaram” o amigo médico até aos aposentos do 1º
Sargento Fernando Reis, onde pernoitou…
Chegou
assim ao fim o “Festival da Canção do Dange 1969”. Se alguém se lembrar de
outros pormenores deste ou de outros acontecimentos, pode fazê-lo nos comentários
ou de preferência em novo testemunho.
LOCAL ONDE SE REALIZOU O "FESTIVAL DA CANÇÃO DO DANGE 1969" |
Texto:
Fernando Santos
Transcrevemos na íntegra o comentário do nosso camarada de armas F Santos, que acompanhou este testemunho:
ResponderEliminarOlá Amigo
Para contrariar algumas das nossas desventuras, também tínhamos coisas divertidas e até com alguma piada!
Estou a enviar-te este testemunho, aguardando os contributos de outros companheiros, tanto em comentários, como em novos testemunhos!
Um abraço amigo
Este testemunho dedico-o ao nosso amigo, Dr. Abílio Mendes, infelizmente já não se encontra entre nós!
ResponderEliminarEra um grande amigo do pessoal!
FS
Se bem conheço o Zé a sua votação nunca seria a que foi, dado apreciar muito a música italiana. Penso que teria escolhido a nossa Nada (a mulher da voz rouca) possivelmente no tema "Ma Che Freddo Fa" ou a Caterina Caselli e "Arrivederci Amore Ciao). Já não me lembro, mas nessa altura terei votado nos Procol Harum no tema Whiter Shade Of Pale.
ResponderEliminarQuanto ao nosso médico emprestado, A Mendes, passei com ele um episódio, que mais tarde testemunharei. Foi um bom amigo, ajudando-nos, também, com as suas palavras, inúmeras vezes em horas muito difíceis.
Aquele Abraço
JM.
Lembro-me da "estória" a espaços, mas outras vezes houve, em que vinha com o Dr.,um alferes de nome.......Lopes e um soldado que era nem mais nem menos que o Lopes Júnior,Caboverdiano, viola dos "EKOS", conjunto dos anos 60 e havia sessão de fados.
ResponderEliminarAbraço
Zé Simões, aqui está uma passagem do "Blogue Guedelhudos":
ResponderEliminar"Vestidos "à Beatle" de "Love Me Do", os Ekos ganharam a 5ª eliminatória do Concurso Yé-Yé, realizada no dia 25 de Setembro de 1965, no Teatro Monumental, em Lisboa.
"João Camilo Lopes Junior, 19 anos, viola-solo, Joka Santos, 21 anos, viola-ritmo, António Vieira, 20 anos, viola-baixo, e José Luís, 19 anos, vocalista."