-TESTEMUNHO-
O dia 13 de Dezembro de 1970, amanheceria como muitos outros. Nesse dia às oito da manhã e sem grandes formalidades, eu e o meu grupo de combate estaríamos de serviço. Entraríamos numa espécie de piquete, com alguns elementos destacados durante o dia para rotineiras tarefas no acampamento. Um outro grupo, penso que o terceiro efetuaria a segurança ao acampamento. Tudo apontava para um dia calmo possibilitando a hipótese de um merecido descanso.
Estávamos no Canage e nessa altura se não me engano, comandava o grupo de combate, que pela ausência do nosso maior, o J Franco estava à frente da companhia
O Canage era nem mais nem menos o lugar, onde a picada Luso/Gago Coutinho, atravessava o rio com o mesmo nome e que mais à frente iria desaguar no rio Lungué-Bungo, este que a jusante acabava no rio Zambeze. Aqui, a Empresa Tecnil aplanou o terreno e devastando a savana em seu redor, criou as condições para montarmos um acampamento provisório onde permanecemos algum tempo, passando lá o último Natal, na nossa quase finda comissão de serviço. Excetuando uma ou duas tendas quadradas, sendo uma delas a nossa messe, dormíamos em tendas cónicas e tudo o resto era passado ao ar livre.
A vida corria normalmente naquele local, salvo um ou outro susto no cumprimento da missão que nos tinha sido confiada e que consistia na proteção próxima aos trabalhos que a Tecnil vinha a executar na picada entre a cidade do Luso e o Lucusse , inclusive também, às máquinas que à noite ali ficavam estacionadas. Na segurança afastada, atuávamos com a efetivação de várias operações de patrulhamento no local, ou outros ofensivos a objetivos, indicados pelo nosso oficial de operações.
O CANAGE |
Depois dos contactos havidos com o inimigo no Caminhão, a nossa maior preocupação e dada a configuração do terreno, estava mais dirigida para as minas, especialmente nas picadas.
No leste de Angola e principalmente naquela zona, a savana era a paisagem dominante. Era também local onde caça grossa abundava, em especial ao amanhecer junto a locais com água. Por vezes, quando havia disponibilidade o que não era fácil, saíamos para efetuar uma ou outra caçada, cujo resultado servia para melhorar a dieta do pessoal. O rancho não era nada mau, pois tínhamos um bom “chefe de cozinha”, o nosso vagomestre mas, ou por interrupções no abastecimento por vários motivos ou por o mesmo chegar com os frescos em mau estado de conservação, lá tínhamos como menu, os “ciclistas” com atum ou o arroz de salchichas e vice-versa, quando o pior ainda poderia ser a ração de combate.
Tínhamos bons atiradores onde destaco o Jorge (caçador), que com a caçadeira, mauzer ou G3, raramente falhava.VIATURA MINADA NO ACAMPAMENTO |
Chegados ao local a tragédia estava à vista e logo reforçamos a segurança do local. Todos estavam enfarruscados, surdos, combalidos, com pequenos ferimentos sem gravidade, mais provocados pela queda forçada. A nossa maior preocupação era o condutor da viatura minada, o Proença Gonçalves, que salvo erro, apresentava no pé e perna esquerda ferimento de bastante gravidade. Já estava a receber alguns cuidados que reforçámos com auxiliar enfermeiro que levávamos. Imediatamente, dada a situação de urgência e falando com o nosso Primeiro que também estava na caçada, pedi se não estou em erro ao sinistrado transmissões A Sousa, que enviasse uma “Charlie”, mesmo em claro para o acampamento, informando o comando da Cia, que de imediato nos deslocaríamos para lá, sendo necessário chamar o “hélio” para uma evacuação.
EVACUAÇÃO |
O João P Gonçalves foi evacuado primeiramente para a cidade do Luso e felizmente hoje está bem e não deixa de comparecer aos nossos Encontros Anuais. Continua a gostar de caçar.
A parte operacional desenvolvida nesta ação, pelos elementos que possuo e dada a distância no tempo, foi aqui recordada em escrito muito cruzado, tentando testemunhar o que aconteceu naquele dia 13 de Dezembro de 1970.
Texto: João Merca
Fotos: João Merca e João Gonçalves