sexta-feira, 13 de novembro de 2020

A MINA NA CAÇADA

 -TESTEMUNHO-

O dia 13 de Dezembro de 1970, amanheceria como muitos outros. Nesse dia às oito da manhã e sem grandes formalidades, eu e o meu grupo de combate estaríamos de serviço. Entraríamos numa espécie de piquete, com alguns elementos destacados durante o dia para rotineiras tarefas no acampamento. Um outro grupo, penso que o terceiro efetuaria a segurança ao acampamento. Tudo apontava para um dia calmo possibilitando a hipótese de um merecido descanso.

Estávamos no Canage e nessa altura se não me engano, comandava o grupo de combate, que pela ausência do nosso maior, o J Franco estava à frente da companhia

O ACAMPAMENTO NO CANAGE

O Canage era nem mais nem menos o lugar, onde a picada Luso/Gago Coutinho, atravessava o rio com o mesmo nome e que mais à frente iria desaguar no rio Lungué-Bungo, este que  a jusante acabava no rio Zambeze. Aqui, a Empresa Tecnil aplanou o terreno e devastando a savana em seu redor, criou as condições para montarmos um acampamento provisório onde permanecemos algum tempo, passando lá o último Natal, na nossa quase finda comissão de serviço. Excetuando uma ou duas tendas quadradas, sendo uma delas a nossa messe, dormíamos em tendas cónicas e tudo o resto era passado ao ar livre.

A vida corria normalmente naquele local, salvo um ou outro susto no cumprimento da missão que nos tinha sido confiada e que consistia na proteção próxima aos trabalhos que a Tecnil vinha a executar na picada entre a cidade do Luso e o Lucusse , inclusive também, às máquinas que à noite ali ficavam estacionadas. Na segurança afastada, atuávamos com a efetivação de várias operações de patrulhamento no local, ou outros ofensivos a objetivos, indicados pelo nosso oficial de operações.

O CANAGE

Depois dos contactos havidos com o inimigo no Caminhão, a nossa maior preocupação e dada a configuração do terreno, estava mais dirigida para as minas, especialmente nas picadas.

No leste de Angola e principalmente naquela zona, a savana era a paisagem dominante. Era também local onde caça grossa abundava, em especial ao amanhecer junto a locais com água. Por vezes, quando havia disponibilidade o que não era fácil, saíamos para efetuar uma ou outra caçada, cujo resultado servia para melhorar a dieta do pessoal. O rancho não era nada mau, pois tínhamos um bom “chefe de cozinha”, o nosso vagomestre mas, ou por interrupções no abastecimento por vários motivos ou por o mesmo chegar com os frescos em mau estado de conservação, lá tínhamos como menu, os “ciclistas” com atum ou o arroz de salchichas e vice-versa, quando o pior ainda poderia ser a ração de combate.

Tínhamos bons atiradores onde destaco o Jorge (caçador), que com a caçadeira, mauzer ou G3, raramente falhava. 

A MINHA TENDA

Encontrava-me deitado no meu colchão de ar (no Canage não tínhamos camas de ferro) na tenda cónica, quando um camarada me acordou para ir falar com o Alf Franco. Eram talvez umas quatro ou cinco da manhã, e no seu estilo próprio transmitiu-me: “Houve mexxx com uma das viaturas saídas. Foi uma mina anticarro e há feridos. Arranca já e trata disso e quero saber se vai ser necessário o hélio”.
Rapidamente reunimos o pessoal resmungão, subi para a berliet rebenta minas, assim como o restante pessoal também o fez, em dois ou três unimogues e arrancamos para as coordenadas indicadas. Lembro-me que o condutor era o Inês mas já não recordo os três ou quatro homens que me acompanhavam. Lembro-me ser esta a segunda ou terceira vez que ultrapassei normas banais de segurança, pois era tão grande a vontade de chegar depressa ao local que deixámos de ver o resto da coluna . Gritei para o Inês para afrouxar e depois lá seguimos todos de novo, sempre atentos a uma possível emboscada. 
VIATURA MINADA NO ACAMPAMENTO

Chegados ao local a tragédia estava à vista e logo reforçamos a segurança do local. Todos estavam enfarruscados, surdos, combalidos, com pequenos ferimentos sem gravidade, mais provocados pela queda forçada. A nossa maior preocupação era o condutor da viatura minada, o Proença Gonçalves, que salvo erro, apresentava no pé e perna esquerda ferimento de bastante gravidade. Já estava a receber alguns cuidados que reforçámos com auxiliar enfermeiro que levávamos. Imediatamente, dada a situação de urgência e falando com o nosso Primeiro que também estava na caçada, pedi se não estou em erro ao sinistrado transmissões A Sousa, que enviasse uma “Charlie”, mesmo em claro para o acampamento, informando o comando da Cia, que de imediato nos deslocaríamos para lá, sendo necessário chamar o “hélio” para uma evacuação.
CABINE DA VIATURA
REBOQUE DA VIATURA MINADA
Ficando no local uma secção reforçada na segurança da viatura minada, arrancamos para o acampamento transportando o Proença e restante pessoal que participou na caçada. Mais tarde, voltamos ao local, penso com o Furriel Miliciano José Fernando, comandante da sec/auto e mais alguns camaradas, para tratarmos do transporte da viatura minada
EVACUAÇÃO

O João P Gonçalves foi evacuado primeiramente para a cidade do Luso e felizmente hoje está bem e não deixa de comparecer aos nossos Encontros Anuais. Continua a gostar de caçar.

A parte operacional desenvolvida nesta ação, pelos elementos que possuo e dada a distância no tempo, foi aqui recordada em escrito muito cruzado, tentando testemunhar o que aconteceu naquele dia 13 de Dezembro de 1970.

Texto: João Merca

Fotos: João Merca e João Gonçalves

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