sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

O PADEIRO QUE FICOU CHAMUSCADO...

 -TESTEMUNHO-

João Martins (padeiro) ao centro, com o Mateus (Macary) à esquerda e o 1º cabo Domingos Ferreira à direita

O João dos Reis Martins era um soldado atirador do 1º grupo de combate da Companhia de Caçadores 2505 do Batalhão de Caçadores 2872. Natural de Montemor-o-Velho (não confundir com os alentejanos de Montemor-o-Novo), vila portuguesa do distrito de Coimbra, situada na província da Beira Litoral, distrito de Coimbra. O Martins alternava com o Salvador de Almeida Mondim (este camarada da terra do “carrapau”-Setúbal), na arte de fabricar o pão para o pessoal da companhia, livrando-se assim de algumas missões mais complicadas.

A nossa companhia, sempre acampou no meio da mata, em tendas de campanha (exceção a um curto período de permanência no Grafanil, em Luanda), para fabricar o tão apetecido pão utilizávamos um forno elétrico da marca “REKENA”.

Na última etapa da nossa comissão de serviço, no Lungué-Bungo, era o Martins quem assegurava o fabrico do imprescindível pão que acompanhava religiosamente todas as refeições. Este nosso padeiro era oriundo duma aldeia, onde os fornos comunitários, essencialmente, feitos de barro, todos os habitantes fabricavam pão.

Então o nosso padeiro, no Lungué-Bungo, vinha insistindo que devíamos construir um desses fornos: havia barro, havia água, havia lenha. Isto era o que ele vinha dizendo. Até que um dia, abordou-me diretamente e disse-me: “meu furriel, vamos fazer um forno de barro!”, e prosseguiu: “o meu furriel vai ver que nunca comeu um pão tão bom”. Depois de alguma discussão concordei com ele e disse-lhe: “então vamos construir o forno”.

O João Martins tinha sempre boas relações com os companheiros do pelotão e não só, arregimentou-os para nas horas vagas, participarem na construção do forno. Ao fim de alguns dias, o forno já estava construído, pronto para começar a produzir o pão. Até ficou bonito.

O forno de barro
Havia, então, de experimentar o resultado da obra, sendo que sempre tínhamos a alternativa de ligar o forno elétrico.  Depois de amassado e pôr a  fermentar a massa, tínhamos de aquecer o forno:  lenha, alguns pastos e os indispensáveis fósforos.  O nosso padeiro, começou por acender os fósforos para pegar fogo ao pasto para começar a arder a lenha, mas nada. O fogo apagava-se logo. Então ele diz: “vou ali aos mecânicos para lhes pedir uma lata de combustível e atear o fogo”.  Dito e feito: abalou e regressou com uma lata  de combustível  (não sei se seria de gasolina ou gasóleo). 

Ato contínuo atirou todo o combustível sobre a lenha e ficou tudo pronto para atear o fogo. Ele bem se afastou um pouco da porta do forno (nós ainda mais afastados), atirou o fósforo a arder para dentro do forno.  Grande confusão, sai do interior do forno, uma labareda e fumo que apanhou a cara e os braços do padeiro,  ficando completamente negro, só se viam os olhos. Pensei “estou desgraçado, autorizei esta “merda” e agora fico com o padeiro todo queimado”. Rapidamente conduziu-o até à tenda da enfermaria, sem saber no que aquilo resultaria.  Chegados à tenda, disse para o furriel enfermeiro:  “Eh pá! Temos de evacuar este gajo para o hospital do Luso, está todo queimado”; o furriel enfermeiro observou-o, olhando para a cara dele atentamente e fez logo ali o diagnóstico: “o gajo só está chamuscado, só tem de lavar a cara e fica como novo”. E assim foi, não passou dum susto!

F. Santos – Memórias de Angola

30 de setembro de 2020 

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