PARA TODOS OS COMBATENTES, FAMILIARES E AMIGOS DA C CAÇ 2505
quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
FALECIMENTOS NO BATALHÃO
Tivemos conhecimento do falecimento do Comandante do nosso Batalhão, no dia 2 do corrente, Coronel na reforma, António Almeida Soares. Tinha 93 anos de idade.
O velório está na Capela do Largo da Luz, em Lisboa e o funeral tem lugar precedido de missa, hoje pelas 10H00, seguindo para Espinho, onde será sepultado em jazigo de família.
Também só agora tivemos conhecimento, do falecimento no dia 25 de Julho, do então Alferes Miliciano da CCS, Comandante do Pelotão de Reconhecimento, Rui Esteves Rodrigues, assim como, em Janeiro do corrente ano do então Capitão da CCS, Carlos Alberto Fernandes Pires, actualmente Coronel na Reforma.
O Batalhão de Caçadores 2872 está mais pobre.
Que descansem em paz.
JM
sábado, 26 de julho de 2014
OUTROS CONVÍVIOS
-NOTÍCIA-
Postamos três novos PE, dos últimos sábados publicados no CM.
JM
PONTO DE ENCONTRO
CORREIO DA MANHÃ
12JUL2014
PONTO DE ENCONTRO
CORREIO DA MANHÃ
19JUL2014
PONTO DE ENCONTRO
CORREIO DA MANHÃ
26JUL2014
terça-feira, 22 de julho de 2014
RUMO A UM CAIS EM LISBOA
-FARDA OU FARDO?-
Zarpámos
do Funchal cerca de meia-noite. Passámos, portanto, a parte diurna desse dia na
Ilha pois havíamos atracado logo de manhãzinha. Vejo o navio a começar a
navegar com a proa apontada para um pouco antes do bico do monte frente à
cidade. Fico assustado. Será que vamos bater ali? Questiono um tripulante
perante o meu alarme. Ele, tranquilamente, respondeu-me: “É que o navio está apontado para ali mas, com a corrente, ele vai
navegando de lado e iremos passar bastante para lá do morro”. Fiquei a
saber naquela altura que, tal como nos aviões, que sofrem a influência dos
ventos (mas aí eu tinha conhecimento), há também, na navegação marítima, uma
diferença entre Rota e Rumo. Entrámos no alto-mar, azimute de Lisboa na bússola,
com viagem prevista para cerca de 36 horas. Durmo tranquilo, ainda teríamos
mais duas noites e um dia de navegação. Como de manhã estava um tempo ótimo,
aproveito para me refastelar um pouco e gozar os últimos momentos do Vera Cruz.
A
última noite foi passada em grande desassossego uma vez que, pela manhã desse
dia 1 de julho de 1971, atingiríamos o Tejo. Mas, para nosso espanto, o navio
parou no meio duma neblina cerradíssima, que nada víamos num raio de 20 metros.
Soa o seu apito estridente e responde um outro mais fraquinho: era o da Lancha
dos Pilotos. Estávamos junto ao Farol do Bugio, viemos depois a perceber quando
o sol clareou, dissipado o nevoeiro. Sobe para bordo o Piloto do Porto da Barra
de Lisboa … e o navio começa a subir o Tejo, devagarinho. Passa sob a Ponte, então chamada de Salazar, agora de 25 de Abril, e começa-se a vislumbrar uma multidão no Cais de
Alcântara e não no da Rocha de Conde Óbidos, donde tínhamos partido em 1969, a
acenar, com lenços, chapéus e tudo que dava para abanar. Acostámos, em manobra
lenta e vagarosa, e alguma multidão entra em transe. Gritos de alegria vindos
de fora, acenos feitos de dentro. Minutos especiais em que disciplina rígida
tem que imperar, sob pena de perca do controlo da situação. A compreensível
ânsia é grande mas tem haver rigor no critério de saída. Chega a minha vez.
Desço o portaló e encontro logo de imediato, de Serviço de Prevenção de
Enfermagem ao navio, o que viria a ser o meu cunhado António, mais tarde
mobilizado para Moçambique. É o meu primeiro abraço. Rapidamente descubro os
meus familiares e a minha namorada. Ficará perene na minha memória esse
esperado momento do reencontro ansiado.
“Vamos embora, tenho
ali o carro!”, diz o meu cunhado Amorim (já
falecido). “Não posso. Temos que ir enquadrar
o pessoal até ao R.I. 2, em Abrantes (nossa Unidade Mobilizadora) para fazer o chamado espólio do fardamento,
tirar uma Radiografia Pulmonar e receber a Licença Registada por 30 dias e
ainda aguardar pela bagagem de porão!”. Assim se procedeu, mas eles, os
meus familiares, levaram o carro para Abrantes para me aguardar. Chegámos à
Unidade, transportados em Camiões Militares desde a Estação de Abrantes, onde
findou a sua marcha o Comboio Especial. Portanto, missão cumprida. Nós,
Milicianos, não fizemos espólio. O fardamento era nosso, pago por nós, com
dinheiro abonado pelo Exército mas descontado posteriormente no soldo.
É-me
feita uma Radiografia Pulmonar e é-me entregue a Licença Registada por 30 dias,
período durante o qual nos encontrávamos ainda no Ativo. Findo esse prazo,
entraríamos na chamada Disponibilidade.
Concluo logo que será melhor voltar ao RI 2 mais tarde para levantar a bagagem
de porão. Entro no carro e, após umas horas de compreensível conversa
emocionada, chego, finalmente, à minha rica cidade do Porto.
Adeus às Armas! Fim da Guerra! Mas será que foi mesmo
o fim da Guerra? NÃO, NÃO FOI! Constatamos todos nós, Combatentes, isso, hoje.
Ela somente hibernou … as nossas cabeças apenas entraram num período de nojo …
Sim, porque a Guerra é mesmo um nojo!…
Carlos Jorge Mota
domingo, 13 de julho de 2014
OUTROS CONVÍVIOS
-NOTÍCIA-
Embora com algum atraso, postamos o PE do dia 5 do corrente mês, publicado pelo CM.
JM
PONTO DE ENCONTRO
CORREIO DA MANHÃ
05JUL2014
quinta-feira, 3 de julho de 2014
OUTROS CONVÍVIOS
-NOTÍCIA-
Postamos a seguir os PE dos dias 21 e 28 do passado mês de Junho e publicados no CM.
JM
PONTO DE ENCONTRO
CORREIO DA MANHÃ
21JUN2014
PONTO DE ENCONTRO
CORREIO DA MANHÃ
28JUN2014
quarta-feira, 2 de julho de 2014
XLI - MUDANÇA DE RUMO... A POUCAS HORAS DE LISBOA
-FARDA OU FARDO?-
Zarpámos
em plena noite, sem antes nos despedirmos, com uma olhadela curiosa, ainda de
dia, ao navio Império, que tinha
também acabado de levar tropas e que aguardava a saída do Vera Cruz a fim de acostar para início das operações de
carregamento.
NAVIO IMPÉRIO |
AS LUZES DO CAIS DE LUANDA,JÁ BEM LONGE |
Embora
cansados, conservámo-nos na amurada até deixarmos de ver totalmente Angola. E,
com a linha do horizonte a evidenciar a curvatura do planeta, já em pleno
alto-mar, era impossível dormir, com toda aquela azáfama. Bagagem de mão bem arrumada
no Camarote, o Bar do navio era o poiso de toda a “maralha”, alguns começando a
sua dose diária de bebedeira, reforçada ao momento por razões óbvias, ou por contentamento
indisfarçável ou por confusão mental súbita fruto do balanceamento do que
deixam e da nova e inesperada vida que vão encontrar … lá longe.
BELICHE NO CAMAROTE |
RASTO DA VELOCIDADE DE 21 NÓS |
Na
segunda noite seguinte, 23, seria a famosa Noite de São João da minha cidade do
Porto, que ainda não saborearia.
O Vera Cruz, tal como o Império, o Uíge, o Niassa, o Índia e
o Pátria, penso que não me falha mais
nenhum outro, eram navios que estavam fretados para transporte de tropas,
portanto, tinham os seus porões adaptados com beliches feitos em madeira para
acomodação das Praças. Tive que me deslocar lá uma vez, por razões de Serviço à
Companhia, e verifiquei as condições paupérrimas em que o pessoal viajava,
acrescida do facto perturbador da alta pressão atmosférica a que os corpos se
sujeitavam, porquanto se encontravam abaixo da linha-de-água.
Como é
normal nas viagens marítimas, são dadas instruções aos passageiros sobre o
procedimento a adotar em caso de emergência, com a indicação da baleeira que
lhes está destinada, e há sempre uma ou mais ocasiões, a decidir aleatoriamente
pelo Comandante de Bandeira (neste caso, porque transportava tropas) ou pelo
Comandante do Navio, para um exercício súbito e inesperado. As Praças, ao apito
do navio para esse efeito, tinham mais dificuldade em chegar prontamente ao
convés, não só pelo local onde se encontravam mas também pela sua maior
quantidade. Havia que procurar controlar toda esta dificultosa situação, por
razões do foro militar e de obrigação naval.
EXERCÍCIO PARA EMERGÊNCIA |
NAVIO NO GOLFO DA GUINÉ |
Uma
bela tarde, em pleno Golfo da Guiné, vemos um navio mercante em rota de colisão
com o nosso. Nada percebíamos de Leis Marítimas, mas fomos informados que
aquele barco teria que dar passagem ao Vera
Cruz e ser ele a desviar a sua rota, o que não fez. Não se conseguia vislumbrar
vivalma e estivemos muito perto dele. Parece que viria em Piloto Automático,
foi-me dito, depois, por um Oficial de Bordo. Óbvio que o piloto do nosso barco
é que teve de guinar para a direita e fazer um círculo completo, retomando
depois o rumo.
Passámos
ao largo de São Tomé e Príncipe, da Guiné, depois Cabo Verde e seguíamos o
nosso destino para Lisboa, quando nos chega a informação que aportaríamos
primeiro ao Funchal. E Porquê? Exatamente porque tínhamos partido atrasados de
Luanda decorrente das 12 horas gastas pelo Vera
Cruz na sua paragem aquando da ida. É que o tempo é controlado ao máximo
para efeito de articulação com outros fatores. Levávamos a bordo duas Companhias
de Caçadores Independentes cuja Unidade Mobilizadora era um Quartel de Ponta
Delgada. Estava previsto o seu desembarque em Lisboa e simultâneo transbordo
para outro navio cujo percurso é a triangulação dos Arquipélagos da Madeira e
dos Açores. A fim de se evitar o atraso de saída desse barco o Vera Cruz foi descarregar essas
Companhias ao Funchal que ficaram a aguardar a chegada do tal outro para
posterior embarque para o seu efetivo destino. Esta alteração proporcionou-nos
a oportunidade de conhecer a Ilha da Madeira, pois tivemos autorização de
saída. Em grupos, alugámos um carro e percorremos aquela maravilhosa Pérola do Atlântico, como a cantava o
grande Max.
(acentuando
o último a). Exactement comme l’Algerie!”,
talvez lembrando-se da Guerra da Argélia. Teria sido ele também Combatente?
Carlos
Jorge Mota
segunda-feira, 30 de junho de 2014
XL - EMBARQUE À VISTA
- FARDA OU FARDO?-
Chegada
ao Porto de Luanda do Navio Vera Cruz,
com tropas frescas a bordo para rendição de outras, prevista para 20 de junho,
de manhã. Uns dias antes dessa data, começa a nossa entrega do Armamento,
Munições, das Viaturas, do material de Transmissões, enfim de tudo que nos fora
confiado para o desempenho da missão de 24 meses, mais o “mata-bicho”. E as
deslocações para as Chefias dos respetivos Serviços, na baixa de Luanda, se
sucedem, no seguimento das diligências por mim iniciadas e de cuja incumbência
fora encarregado, não obstante permanecer na Província, por mais um bom número
de dias razoável, uma Comissão Liquidatária, como era normal, na esperança que
tudo estivesse em ordem e nenhuma anormalidade fosse detetada e impeditiva de
quitação. E a azáfama do encaixotamento logo se inicia. Só se ouve martelar, por
todo o lado do Campo Militar do Grafanil onde nos encontrávamos, pregando
caixotes e mais caixotes, para embarque no porão. Eu trouxe três, com o meu
nome e posto e a designação da Companhia, tudo bem visível do exterior, pintado
a tinta branca, para levantamento em Abrantes. Uma correria em busca de tábuas,
improvisando-se tudo que servia para esse desiderato. Entretanto, somos
sabedores que o navio se atrasou 12 horas. Chegaria, portanto, só à noite, o
que, em termos práticos para nós, representaria um dia, pois nessa noite de 21
ele estaria ocupado nas operações de descarga, quer do pessoal embarcado quer
do conteúdo dos seus porões quer ainda em reabastecimento. Vim a saber depois a
razão desse atraso. Ao largo do Golfo da Guiné, durante a exibição dum filme,
um Soldado, pendurado nos cabos do navio (em linguagem marítima cordas são
cabos), desequilibrou-se e caiu à água. O Vera
Cruz parou os seus motores e permaneceu na zona cerca de meio dia na
esperança de recuperar o rapaz, vivo ou morto, mas, e infelizmente, sem
resultados positivos. O navio retoma a marcha e chega atrasado a Luanda. As
implicações do retardamento irão surgir no regresso, connosco a bordo.
VERA CRUZ NUNCA IMAGINARIA QUE CERCA DE 6 MESES ANTES ELE ESTEVE PRESTES A IR AO FUNDO COM 3 800 HOMENS A BORDO, VINDO DE MOÇAMBIQUE AO LARGO DE EAST LONDON ( R A S ) |
PREPARATIVOS PARA O EMBARQUE
Da
minha Companhia, o Fernando Temudo resolveu ficar a residir em Angola, bem como
mais, pelo menos, dois Soldados. Das outras Companhias houve igualmente pessoal
que ficou por lá, razão por que todos entraram de licença registada à data da
saída do navio. Não quiseram, todavia, deixar de nos vir dar um abraço. Sabe-se
lá se nos voltaremos a encontrar um dia?
E CHEGA A ORDEM DE EMBARQUE |
Como
alguns Camaradas tinham lá família e outros tinham já feito namoritos, com
promessa de voltar, houve choros e ranger de dentes, fora do navio, que
aumentaram de intensidade, até com algum histerismo, quando o pessoal passou
para bordo, atingindo o apogeu com o apito estridente do barco, em jeito de
despedida. Cerca das 10 horas da noite do dia 21 de junho de 1971 o Vera Cruz zarpa de Luanda, rumo a Lisboa.
Curioso foi o súbito e estranho sentimento que se apoderou de mim
(provavelmente generalizado a todos): olhar para aquela terra onde passei 26
meses, onde senti algumas alegrias, muita saudade e tristezas, por vezes fome e
sede, momentos de desespero … e começar a emergir uma nostalgia inesperada, num
misto e contraditório pensamento – colocar-me mentalmente no destino mas observando
embevecido esta linda terra que vou agora deixar …
Carlos
Jorge Mota
quarta-feira, 25 de junho de 2014
OUTROS CONVÍVIOS
-NOTÍCIA-
Postamos hoje com algum atraso os PE da passada sexta-feira dia 6, assim como os também passados sábados dias 7 e 14 do corrente mês, publicados no CM.
JM
PONTO DE ENCONTRO
CORREIO DA MANHÃ
06JUN2014
sexta-feira, 13 de junho de 2014
XXXIX - O ROSTO DO COLONIALISMO
-FARDA OU FARDO?-
Ao
segundo dia em Luanda, já pela noite, chegam todas as Companhias do Batalhão,
em coluna, depois da viagem de Comboio entre o Luso e Nova Lisboa, em que
transportaram também as viaturas. O local de acantonamento foi no Campo do Grafanil
em cujas instalações se colocavam as tropas em trânsito, as vindas da Metrópole
e com destino ao Mato e vice-versa.
Sabíamos
já qual a data da chegada do Vera Cruz,
navio que nos transportaria para Lisboa, mas ela só teria lugar daí a uns dias.
Entretanto, como Tropa não pode estar parada, é dos livros, cria ócio e dá mau
exemplo aos outros militares, foram-nos atribuídas missões a empreender na
própria cidade de Luanda. Eram de vário tipo, por rotação de Companhias:
serviço à Rede, em que tínhamos já estado à chegada à R.M.A e durante cerca de
3 meses, e patrulhamento aos Musseques, isto é, ação de policiamento.
MUSSEQUE EM LUANDA |
Atendendo
a que eu estava interessado em conhecer essa tarefa de polícia, e já não teria
outra oportunidade pela proximidade da data do embarque, perguntei ao Fernando
Temudo se ele via algum inconveniente em eu o acompanhar numa sua saída, com
ele a comandar, obviamente. Ele acedeu e eu então requisitei uma Pistola-Metralhadora
FBP (Fábrica de Braço de Prata) para me incorporar no grupo, uma vez que só as
Praças transportavam G-3. Ele levou uma Pistola Walther. Embrenhados nos
Musseques, a missão consistia em pedir identificação, duma forma mais ou menos
aleatória, aos transeuntes. Uns paravam, mostravam a documentação e eram
mandados em paz; outros, indocumentados, subiam para um Unimogue, vazio para o
efeito - só com o condutor -, para entrega posterior à PSP; e outros, logo que
nos avistavam, desatavam numa correria louca, em fuga. O Temudo chegou a mandar
uns tiros para o ar, mas sem resultado.
Uma
vez a viatura cheia, deslocámo-nos à Esquadra da PSP, julgo que a 1ª, e
entregámos os cidadãos para os devidos efeitos: identificação, morada, profissão
e averiguações de atividade eventualmente ilícita, pensava eu. A Esquadra era
uma casa tipo habitação, com Portão de Jardim, um corredor e depois,
percorridos uns 15 metros, a Porta de Entrada. Mas … eis que, logo à passagem
do Portão, onde estava uma Sentinela, verifico que, à medida que os cidadãos
desciam e penetravam nesse corredor, sem nada lhes ser perguntado, começavam a
levar pontapés, estalos, socos. Eles procuravam proteger-se das agressões, mas
infrutiferamente. Lá dentro, na sala, depois de passada a Porta, era o chicote
que entrava em ação. Pasmado com aquilo, digo ao Temudo: “eh pá, isto é assim? Eles (os da Polícia) já te assinaram a Guia de Entrega? Os homens estão ainda sob a tua
custódia! Que merda é esta?”. O
Temudo responde-me: “oh pá, temos o barco
à nossa espera, deixa lá isso, não levantes problemas!”. Nesse momento
senti uma revolta interior, vi ali o Rosto do Colonialismo. Suponho que todos
os Guardas seriam gente do recrutamento local, portanto, com anos na Polícia de
lá. Um metropolitano jamais faria aquilo. Percebi, então, a razão por que
muitos dos cidadãos negros, avistando-nos, fugiam a sete pés. Já teriam passado
por aquela situação … Tentei perceber, pelo tempo de permanência na Esquadra, o
que lhes faziam depois. Após algumas perguntas, mandavam-nos embora … com
porrada já carregada no lombo. Procedimento desumano e que contrariava toda a
filosofia reinante de interligação racial apregoada. Fariam o mesmo se os
homens fossem brancos? Não fariam, com toda a certeza!.. Naquele momento percebi
que todo o meu esforço ao longo daqueles 26 meses não tinha razão de ser. Eu
tinha sido enganado.
Como
eu transportava uma FBP, arma perigosa se mal manuseada, pela eventual mudança
brusca, aleatória, da posição da culatra que ela própria faz, um Guarda
alertou-me para a posição da minha, dizendo-me: “cuidado, o senhor já viu como traz a arma?”. Disse-lhe: “Já, fique tranquilo, que eu sei o que estou
a fazer!”.-“Como posso ficar descansado? Ela pode disparar sozinha a todo o
momento!”, disse ele. Respondi-lhe: “você acha que eu iria agora correr
riscos?”… e tiro o carregador, vazio … e mostro-lho. “O cheio, está aqui, no bolso” e bato no bolso lateral da calça da
farda do camuflado. “Ah, já estava a ver,
estava a ficar com medo”, retorquiu ele, aliviado.
Carlos
Jorge Mota
quarta-feira, 11 de junho de 2014
XXXVIII - 8 DE MAIO DE 1971 - ÚNICA BEBEDEIRA NA VIDA
-FARDA OU FARDO?-
Finalmente,
o almejado dia chegou: 8 de maio de 1971, data do fim da Comissão. Daí para a
frente entraríamos no “mata-bicho” (designação que em Angola tinha dois
sentidos – agora só tem um: para os civis significava “Pequeno-Almoço”; para os
militares era o tempo entre a data do fim da Comissão e a do Embarque de
regresso). Vou ao Sacassanje
encontrar-me com o pessoal que estava nesse momento na picada, para festejo
geral. Não bebi muito mas a mistura do que me deram, em confraternização,
arrasou comigo: apanhei uma bebedeira que pensei que ia morrer. Nunca tinha
tido tal experiência, apesar de habitualmente beber todo o tipo de álcool, só
que moderadamente e sem misturas. Tenho consciência que fiz uma figura patética,
não fosse o compreensível momento, seria ridícula até e mesmo reprovável. Sei
que os Soldados riam-se do que eu fazia e do que eu dizia. Mas também não fui o
único.
terça-feira, 10 de junho de 2014
XXXVII - CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS
-FARDA OU FARDO?-
Não
demoraram 15 minutos quando o Capitão Santana me procura e me diz: “eh pá, oh Mota, você tinha razão. Os
Dragões rebelaram-se e agora sobrou para nós! Vamos começar a ‘alinhar’ nas
escoltas para o Dala e Buçaco, que estavam a cargo deles. Acabei agora de
receber um telefonema do Comando de Setor. Começamos já amanhã”.
QUARTEL DOS DRAGÕES - LUSO |
Venho
logo depois a saber o que tinha ocorrido: o Soldado abatido estava de serviço,
drogado com liamba, o que era muito comum com os nativos naquela altura, e
dizia que se ia embora para casa. O Furriel dizia-lhe: “pá, não podes sair da Unidade, só amanhã, depois do Render da Parada.
Conheces as regras militares. Eu não te posso deixar sair”. O rapaz, talvez
toldado pela dopagem, resolveu sair mesmo. E vai daí, o Furriel resolveu levar
o caso até ao extremo, servindo-se do que o Regulamento Militar determina e lhe
permite. Soube, já muito mais tarde, em Luanda, que ele tinha sido julgado em
Tribunal Militar e … foi absolvido.
Mas,
no entretanto, as coisas complicaram-se dentro da Unidade. Os Soldados, nativos
na sua quase totalidade, não tinham arma distribuída. E foi o que salvou a
situação. Levantavam-na na Arrecadação de Material de Guerra do Quartel sempre
que saíam para um serviço. A rajada de arma pesada que eu tinha ouvido quando
encostado ao muro foi disparada por um 2º Sargento, branco, para evitar que
eles concretizassem uma tentativa de assalto a essa arrecadação, pois diziam que
iam matar todos os Graduados do Quartel. Acresce que esse rapaz tinha um irmão
também lá colocado, o que ajudava a aumentar a efervescência. O Furriel teve
que fugir pela parte de trás, saltando o muro junto ao Campo de Futebol (que é
visível na fotografia).
O Aquartelamento
foi entretanto ocupado pelos Comandos,
o pessoal foi todo transferido de imediato e a Unidade foi reativada com tropa
fresca, provinda de outros pontos da RMA.
À
tardinha, ao chegar a “minha” casa, contígua ao edifício do Comando, depara-se-me
um espetáculo deprimente, pela impotência da multidão “fardada” que pedia
“justiça” junto do Brigadeiro Bettencourt Rodrigues e a postura militarista
deste de só receber uma Delegação que se encontrasse mínima e regularmente
composta sob o ponto de vista de fardamento.
E, no
dia seguinte, conforme ordem recebida, uma Secção da nossa Companhia começou a
ocupar-se das escoltas na estrada para Henrique de Carvalho, até ao Buçaco, via
Dala, tarefa que permaneceu durante quase um mês.
Nessa
mesma estrada, segundo se falava na altura, e durante esse período, terá sido a
primeira vez que uma Mina Anti-Carro foi acionada numa via asfaltada. Eles cortaram um pedaço certinho do
alcatrão, colocaram lá a Mina e taparam de novo, com disfarce não detetável.
Um
Camarada que passou à disponibilidade em Angola, não regressando, portanto, à
Metrópole, conviveu algum tempo, por razões de namoro com duas irmãs, com o
moço envolvido nesse incidente. Penso que um ato desses, feito a quente, deverá
marcar indelevelmente um indivíduo para toda a vida.
Carlos
Jorge Mota
segunda-feira, 9 de junho de 2014
XXXVI - ESTARIA EU A VER UMA FILMAGEM?
-FARDA OU FARDO?-
Numa
das minhas frequentes idas à Manutenção Militar, saio da BTR com um Unimogue e,
logo à entrada da cidade do Luso, encontro um GE, fardado, amputado duma perna,
pedindo boleia à primeira viatura militar que surgisse. Dei instruções ao
Condutor para parar, pergunto ao homem para onde quer ir e ele diz-me que tem
uma Consulta no Hospital Militar. Apeio-me do Unimogue (veículo destapado) e
ajudo-o a subir, por óbvia dificuldade física dele. Deixámo-lo no Hospital.
Entretanto começa a cair uma chuva miudinha. Digo ao Condutor: “eh pá, vamo-nos abrigar um bocado, talvez o
melhor local seja junto ao muro do Quartel dos Dragões, que sempre nos protege
um pouco!”, e para lá nos dirigimos. Esta Unidade pertence à guarnição
normal da cidade e o seu pessoal era constituído, na sua quase totalidade, por
militares do Recrutamento da própria RMA, inclusive Graduados.
CHEGADA DUMA EVACUAÇÃO AO HOSPITAL MILITAR |
Encostados
ao muro, com a viatura estacionada na rua, aguardamos que a chuva passe. De
repente, vejo um Furriel, branco, ostentando uma braçadeira, pois estava de
serviço à Unidade, falar com a Sentinela, também branco, e armado duma
Espingarda FN. Pega nessa arma, ajoelha e aponta para um Soldado negro que
tinha saído da Porta-de-Armas e se dirigia para um carro velho parado frente ao
portão, e … PUM, dispara para as costas dele. Compreendi, nessa altura, o
significado literal do “esticar o pernil”, sem pretender gracejar com a
expressão, mas o que é certo é que vejo o rapaz cair de bruços, com uma perna
ligeiramente encolhida e começar a espernear esse membro até se imobilizar por
completo. Meu raciocínio instantâneo: “estão
a filmar atrás do portão e o moço vai já levantar-se, pois trata-se de uma
simulação para alguma finalidade que ignoro ”. Mas eis que ouço de repente
um burburinho provindo do Quartel, vejo o Oficial-de-Dia deslocar-se junto do
moço, tira a boina da cabeça e abana-o como se ela fosse um leque. Volta para dentro. Nada vislumbro
para o interior, pois o muro o impede, só vejo a Sentinela, que continua no seu
posto, e o Furriel já tinha ido para dentro. O burburinho aumenta de
intensidade e ouço repentinamente uma rajada de Metralhadora Pesada, que
percebi logo ter sido feita para o ar. Troco um olhar interrogativo com o
Condutor e digo: “vamo-nos embora já
daqui senão ainda levamos um tiro e sem sabermos porquê!”. Retomámos o
nosso destino. Passada a linha do Caminho de Ferro do CFB, começam a cruzar-se
connosco Berliets, Unimogues 414 (o que chamávamos Burro do Mato, que eram os
nossos) e Unimogues 404 (estes mais largos e movidos a motor a gasolina),
viaturas estas carregadas de pessoal dos Comandos
(cujo Aquartelamento ficava junto à Manutenção Militar) vestidos dum modo
completamente desajustado: quico camuflado e camisa verde, calças verdes e
camisa camuflada, botas de lona e calções verdes, enfim, modo revelador de
saída emergente. Após resolver o assunto que lá me levou, volto da Manutenção
Militar, reentro na cidade e vejo tropa em todas as esquinas, fortemente
armada. Pergunto o que se passa e é-me transmitido então que os Dragões se
rebelaram.
Chego
à BTR e narro ao Capitão Santana o que presenciei. Diz logo ele, no seu modo
meio brincalhão “Oh Mota, você vê cada
filme!... Vá meter essa peta a outro!”
Carlos
Jorge Mota
domingo, 8 de junho de 2014
XXXV - ESTOU DE FÉRIAS... E PORQUE NÃO IR À CAPITAL?
-FARDA OU FARDO?-
“Meu Capitão: estou de férias. Já que estamos na
Lunda, por que não vamos conhecer Henrique de Carvalho? Arranjo onde
pernoitarmos pois está lá na Base da Força Aérea um amigo íntimo meu”. “’Bora’, pá,
vamos nessa, já que chegámos aqui!”, disse logo. Metemo-nos à estrada, que
o trajeto era bom e livre de perigos.
FOTO TIRADA PELO PIRES SANTANA |
FOTO TIRADA PELO PIRES SANTANA |
Demorámos
ainda uma hora e meia a chegar, pois parámos pelo caminho para reequilibrar
fluidos e descansar um pouco.
Chegados
à Base, procuro o meu amigo Chembene, que conhecia desde há uns 6 anos atrás,
moçambicano, que seguiu a carreira na nossa Força Aérea e atingiu o posto de 1º
Sargento. Esteve presente no meu casamento, após o fim da Comissão de ambos.
Foi ao Luso, aproveitando um voo dum PV2, para me retribuir a visita. Aquando
da independência de Moçambique optou pela nacionalidade moçambicana pelo que
teve de se desligar da FAP. Ingressou nos quadros da LAM – Linhas Aéreas
Moçambicanas, e era mecânico de bordo. Está já reformado, vivendo em Maputo.
Falamos assiduamente ao telefone, nem que seja para me chatear a cabeça por
causa do seu Benfica. Mas, para azar seu, tem um filho que é … portista.
O AUTOR E O CHEMBENE |
AUTOR, CAP SANTANA E O PIRES SANTANA |
Dia seguinte, finda a visita, metemo-nos à estrada e fizemos o percurso inverso, devidamente enquadrados na coluna quando atingimos o local apropriado e exigido para o efeito.
Carlos Jorge Mota
sexta-feira, 6 de junho de 2014
XXXIV - CORNETEIRO DESAFINADO... OU DESENFIADO?
-FARDA OU FARDO?-
Em
pleno mês de fevereiro de 1971, encontrando-me eu de férias, vejo o Capitão
Santana parar o “seu” jipe à porta da “minha” casa. Entrou, cumprimentou e
disse-me: “Mota, preciso de um favor seu”.
“É de caráter militar ou particular?,
perguntei. “Se for militar, atenção que
eu estou de férias; se for particular, faça o favor de dizer do que se trata!”
digo eu. “É um misto das duas coisas”,
retorquiu logo. “Você sabe que o Silva (Cabo
Corneteiro) se perdeu de amores com uma
mulatinha e eu sei onde ele está, fui informado. Está lá para a Lunda mas eu
tenho a indicação do local exato. Vamos buscá-lo antes que passe o tempo de o
gajo ser considerado desertor. Estamos já quase no fim da Comissão e eu não
quero ver um homem meu com a sua vida estragada por causa dum caso destes”.
Dia
seguinte, estou de camuflado vestido e de G-3 na mão, e, à hora marcada, o
Capitão Santana pára o jipe. Vem acompanhado de outro Santana, mas do Pires
Santana, Alferes do Recrutamento Local, que veio substituir um outro que, tendo
vindo de férias à então Metrópole, deu baixa ao Hospital Militar da Estrela, em
Lisboa, e não mais regressou ao nosso seio.
A
estrada para o Distrito da Lunda (agora há duas Lundas, foi feita divisão),
cuja capital é Henrique de Carvalho (denominada atualmente Saurimo), é
alcatroada, mas entre o Luso e a localidade do Buçaco era uma área de forte
ação inimiga razão por que, entre aqueles dois locais, obrigatoriamente toda a
viatura civil tinha que fazer o trajeto em coluna devidamente escoltada por
militares.
Esperámos
pela sua formação e o Capitão Santana falou com o Comandante da Escolta, um
Furriel, e transmitiu-lhe que o jipe se iria incorporar na coluna mas que
viajávamos por nossa conta e risco.
ESTRADA LUSO/HENRIQUE DE CARVALHO |
BUÇACO-COINCIDÊNCIA,NOME DA RUA DA CASA DOS MEUS PAIS |
Chegados
a Dala, pernoitámos no quartel de lá depois do Cap. Santana ter falado ao
Oficial-de-Dia à Unidade. O Capitão teve aposento melhorado, pois eu e o Pires
Santana deitámo-nos numa arrecadação e dormimos no saco-cama que levávamos,
numa completa escuridão, e com a arma ao lado. De noite, sou acordado com uma
voz a gritar, ao meu lado: “eles aí vêm,
eles aí vêm!” Apuro o ouvido e nada de anormal ouço. Acordo-o então com uma
cotovelada, pois o Pires Santana estava a sonhar alto …
Já que
ali estávamos, disse ao Capitão Santana: “meu
Capitão, por que não vamos ver as famosas Quedas do Dala? É uma oportunidade
única!”. “Vamos lá, pá!”, disse
logo.
Fomos
ao quimbo (musseque) que o Capitão tinha referenciado, não encontrámos o Silva,
porque ele tinha saído de momento. Deixámos recado … e ele apareceu na BTR ao
terceiro dia. Levou um raspanete e ficou com um castigo leve, sem registo
escrito. Agradeceu a nossa atenção dum modo que me emocionou.
Nota:
“Desenfiado”, em gíria militar, significa “ausente sem autorização”.
Carlos Jorge Mota
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