-TESTEMUNHO-
A situação que vou testemunhar passou-se comigo e por ser tão caricata,
até parece uma anedota. Vou descreve-la aqui, porque prometi faze-lo a alguns
camaradas de armas. Naquele tempo, por vezes aconteciam coisas, completamente
fora do que seria previsível acontecer na vida militar.
A nossa Companhia, após regresso da Operação Grande Salto, nos Dembos,
já sob o comando do Batalhão, passou a prestar proteção à cidade de Luanda. Na
Rede, entre outras missões, efetuávamos o patrulhamento a quase tudo que se
situava entre o “arame farpado “e a área de intervenção das outras polícias,
tais como a PSP, PM e PA. Esse patrulhamento incluía o Bairro do Cazenga, de considerável
dimensão onde se encontrava de tudo. Ao longo das ruas não alcatroadas, erguiam-se
casas térreas de melhor ou pior construção. A sua população era muito heterogénea
e distribuía-se por locais de prostituição, locais onde residiam famílias que praticamente
só pernoitavam, após o seu dia de trabalho na cidade e alguns locais comerciais.
Tenho até conhecimento de vários militares que também ali residiam.
Decorria o mês de Janeiro e o dia começava como sempre com muito sol. As
Companhias formadas e ao toque assistíamos ao hastear da Bandeira. Acabava de
sair de serviço à Rede Periférica e já estava escalado com o meu pessoal para
os referidos patrulhamentos. O dia corria muito bem com visitas a outros
bairros, às transmissões, aeroporto etc., mas as mais apetecidas, em especial à
tarde, eram as efetuadas à Cuca e Nocal, onde havia cerveja à disposição
A noite já ia alta e estávamos encetando, agora, o patrulhamento nas
ruas do Cazenga e solicitando a identificação a um ou outro transeunte,
acabámos por estacionar num pequeno largo, onde também existia uma árvore. Uma
das ruas à nossa frente, era um local de prostituição e não me recordando, devia
ser fim-de-semana dada a quantidade de pessoas que circulavam. Estacionados,
uns sentados na viatura, outros apeados apreciávamos o ambiente. Este local,
também era frequentado por alguns militares, uns uniformizados, outros à civil.
Não sei já quem fazia parte da patrulha, mas os condutores, como era hábito poderiam
ser o Gil, Proença ou o Mingachos, infelizmente já falecido. Passado algum tempo,
decidi efetuar mais umas identificações, quando aconteceu um raro imprevisto.
Ao entrar no largo, um individuo apercebendo-se
que estávamos ali, apressadamente dirigiu-se para a citada rua. Não obtendo
resposta ao nosso chamamento e continuando a previsível fuga, iniciámos a
perseguição. Seguíamos junto às casas e de repente, quase no início dessa rua
abriu-se uma janela e quando me virei, levei com a água de um alguidar na cara e no tronco. Se fosse um tiro, a minha
vida acabava ali. Fiquei furibundo, berrando e exclamando impropérios, instintivamente
empunhei a walther e arranquei para a porta, quase chocando com um individuo,
que saia a correr ainda a apertar as calças.
Entrei de rompante pela casa dentro, onde deparei com uma mulher nua e
de alguidar na mão. Gritei, berrei e nem sei o que me passou pela cabeça. Tive
a intenção de a levar à PSP, para um raspanete, mas desisti dado que a mulher
já tremia por todo o lado. Não faço ideia qual seria a minha expressão, mas a
pessoa em causa pedia-me muitas, muitas desculpas e até me queria lavar o dólmen
do camuflado e sei lá mais o quê. Subentende-se qual teria sido a utilização
daquela água. Sem esgotos a água de todas as lavagens era atirada para a rua. Lembrei
o Centro de Operações Especiais e a minha passagem pelos esgotos da cidade de Lamego.
Afinal havia uma razão para esse exercício. Lembrei que tinha perdido qualquer
tipo de nojo. Abandonada a perseguição e dado a patrulha ainda não ter acabado, somente lavei a cara e
prometi a mim mesmo nunca mais passar apeado naquela rua, assim como, ao pessoal
que me acompanhava, dado o risinho que ostentavam, uns servicinhos mais pesados,
se a boa disposição não passasse.
Mais tarde e ainda hoje até dá para rir, mas naquela altura confesso que
me apeteceu esganar a mulher.
João Merca
Fotos: João Merca e Manuel Pimenta
Obs: A foto do grupo é de outra patrulha.
Caro camarada e amigo!
ResponderEliminarEm relação ao testemunho, já o tinha ouvido de viva voz, mas contado com mais sal e pimenta. Os ingredientes do alguidar seriam só água suja?
Na tua formação nos Rangers de Lamego, como Furriel Miliciano de Operações Especiais, nunca o IN te foi apresentado com estas roupagens. Só aprendestes com a experiência.
Um forte abraço!
Caro Fernando
EliminarSó posso dizer, que por tudo o que passámos, esta, foi uma daquela situações inesperadas e mito caricata
Abraço Amigo