-FARDA OU FARDO?-
O Comandante e … o Patrão
Como disse atrás, o Tenente-Coronel Soares, Comandante do meu Batalhão,
acompanhou toda a nossa viagem até à Coutada, ao volante do “seu” jipe,
acompanhado do seu condutor privativo. Como era habitual, quando se ia para a mata, ou em trânsito para ela, nada se
levava em cima dos ombros, todos possuímos aparentemente o posto de Soldado. Na
travessia duma cidade, um civil dirige-se a ele e faz-lhe uma pergunta sobre
algo da estrada. Ele respondeu: “não sei!
Isso é aqui com o Patrão!”, e
aponta para o lado. O homem fica perplexo, pois vê um “soldado” ao volante, já
com quase 50 anos, meio careca, e o homem ao lado, de 21 anos, é que é o patrão? É que Patrão … é mesmo o nome do
rapaz.
2 Dias de Prisão …
Para travessia do Rio Cuito, no Dirico, utilizava-se uma jangada, que só
transportava uma viatura de cada vez, e vazia. Demorámos nisso quase dois dias.
Como não sou apologista de ordenar algo cuja dificuldade de execução não tenha
avaliado, e como era preciso descarregar as viaturas de todo o seu conteúdo (e
carregá-las de novo, do outro lado do rio, após a travessia), desde géneros
alimentares a cunhetes de munições, passando por todo o restante e muito
diverso tipo de material, resolvi ajudar o pessoal e “alombar” também. De
repente, aparece-me o Comandante, chama-me ao lado e diz-me, numa voz calma mas
firme: “você está aqui para coordenar,
não para andar com caixas às costas. Se o volto a ver nesta situação, enfio-lhe
com 2 dias de prisão!”. E a punição dum Graduado implicava obrigatoriamente
a sua transferência de Unidade. Aconteceu, infelizmente, já quase no fim da
Comissão, com um Camarada meu.
Acidente na Jangada
Não presenciei, foi-me narrado, mas que me marcou profundamente: um moço
nativo, civil, ficou com a perna entalada entre a jangada do Dirico e a margem.
Como o ferimento era aparentemente grave, alguém solicitou, através dos canais
próprios, a evacuação do rapaz. Os “nossos primos” tinham uma base aérea a menos
de 10 minutos de voo. Aterrado o Cessna, o piloto indaga o que se passa e
verifica, obviamente, que se trata dum negro, e civil. Manda aguardar, fala em afrikaans com o Rundu. Diz, depois, que
o avião está avariado e tem que regressar à base. Verdade? Talvez! Mentira? Se
sim, seria por ser civil e eles não se sentirem “obrigados” a isso? É que,
conhecendo agora os termos do ALCORA, o Acordo era meramente militar … Seria
por ser negro? Não sei. Soube depois que foi amputada a perna ao infortunado
nativo. Mas foi coisa que me incomodou!
Fogo no Cessna
Carregado o Saco do Correio e algo que havia sempre a remeter para Serpa
Pinto, despeço-me do piloto carcamanho
e fico a aguardar a descolagem. Ele põe o motor a trabalhar e, de repente, uma
labareda na parte inferior do avião, provinda do motor, irrompe. Como se trata
de uma aeronave que, pousada, fica com o nariz
levantado, ele de nada se apercebe. Atravesso-me à frente do avião, para evitar
que ele arranque, esbracejando com vigor e a gritar “Fire! Fire!”. Com o barulho do motor ele nada ouve mas percebe que
algo de anormal se passa. Sai apressadamente da cabine, vê o fogo, corre a
buscar um extintor e domina-o rapidamente. Deveriam ser restos de combustível
que andavam por ali e, com o aquecimento repentino, deflagraram… Ficou pálido,
sentou-se no chão uns minutos. Pediu-me para estar atento e voltou para dentro,
deixando a porta aberta. Põe o motor a trabalhar, aquece uns minutos e
pergunta-me, gesticulando, se noto alguma anormalidade. Faço-lhe sinal com o
polegar que parece estar agora tudo bem. Fecha a porta. Acena-me dum modo muito
enfático, como que a agradecer, arranca, eleva-se nos céus e toma o rumo
definido.
12 Candeias
x 12
Solicitou-se a Serpa Pinto transporte para 12
Candeias. Aterra o Cessna dos “nossos primos”, vai descarregando o conteúdo,
sempre com o bendito CORREIO, e diz o piloto: “I have here in the aircraft a small space for twelve oil-lamps, but I
must charge somethings yet at my base, in Rundu” (eu tenho aqui no avião um pequeno espaço
para 12 candeias, mas tenho ainda que carregar umas coisas na minha base no
Rundu). Fora-lhe transmitido que iria transportar 12 candeias. Nas Forças
Armadas, a cada Posto corresponde um número. A Segundo-Sargento era (é ainda?)
o número 12. Era o Sargento Candeias, de seu nome, que precisava de ir a Serpa
Pinto. Alentejano de gema, de Ponte de Sor, latagão duns quilos bons, amigo do
seu amigo, homem muito dinâmico, o que contraria a ideia errada de molenguice
que se atribui àquela gente, teria que se reduzir ao espaço de 12 candeias … Lá teve ele que aguardar mais uns dias.
O Palaio e os seus patos
Logo à chegada à Coutada do Mucusso, o nosso Comandante de Batalhão, que nos acompanhou às Terras-do-Fim-do-Mundo, resolveu ir à caça e fez-se acompanhar dum pequeno grupo. Encontraram uma peça jeitosa cujas patas o Comandante deduziu logo serem boas para fazer as pernas duma mesa. Dispararam sobre o bicho, mas ele não morreu, apenas ficou ferido e largando um pequeno rasto de sangue na sua fuga. Para facilitar a localização, e pressupondo que ele estaria por perto, o Comandante e outro Camarada seguiram no Unimogue na sua peugada enquanto os restantes desceram da viatura e prosseguiram a busca, mas apeados. O Comandante desorientou-se nos azimutes e seguiu a direção leste enquanto os restantes conseguiram localizar a peça, que entretanto soçobrou. Esperaram, esperaram, mas nenhum sinal dos outros foi recebido. Entretanto escureceu. E agora, que fazer? O Palaio prontificou-se a ficar a tomar conta da peça de caça, mas, por precaução, subiu para uma árvore de porte razoável munido da sua arma enquanto os outros sobrantes, que eram dois, foram fazer pesquisas do terreno na tentativa de encontrarem vestígios de retorno. Atraídos pelo cheiro do sangue, começam a afluir aves de rapina, leões, leopardos e toda a bicharada ávida de repasto. O Palaio lá foi abatendo ou afugentando alguns no sentido de salvaguardar a peça. Mas ... e agora, se também os outros não aparecem? Resolveu então abandonar o local e desprezar o bicharoco, pois não tinha como levá-lo. Descobriu o caminho de retorno sozinho e foi o primeiro a chegar ao Aquartelamento, já noite adentro. Trazia às costas, para seu orgulho, já morto, um "pato" grande, e, cheio de regozijo, dizia: "há ali muitos, muitos, mais!". Só que o "pato" do Palaio não era mais que um abutre ... Os outros militares, que eram quatro, divididos em dois grupos separados, chegaram no dia seguinte, em momentos bem diferentes.
O Palaio e os seus patos
Logo à chegada à Coutada do Mucusso, o nosso Comandante de Batalhão, que nos acompanhou às Terras-do-Fim-do-Mundo, resolveu ir à caça e fez-se acompanhar dum pequeno grupo. Encontraram uma peça jeitosa cujas patas o Comandante deduziu logo serem boas para fazer as pernas duma mesa. Dispararam sobre o bicho, mas ele não morreu, apenas ficou ferido e largando um pequeno rasto de sangue na sua fuga. Para facilitar a localização, e pressupondo que ele estaria por perto, o Comandante e outro Camarada seguiram no Unimogue na sua peugada enquanto os restantes desceram da viatura e prosseguiram a busca, mas apeados. O Comandante desorientou-se nos azimutes e seguiu a direção leste enquanto os restantes conseguiram localizar a peça, que entretanto soçobrou. Esperaram, esperaram, mas nenhum sinal dos outros foi recebido. Entretanto escureceu. E agora, que fazer? O Palaio prontificou-se a ficar a tomar conta da peça de caça, mas, por precaução, subiu para uma árvore de porte razoável munido da sua arma enquanto os outros sobrantes, que eram dois, foram fazer pesquisas do terreno na tentativa de encontrarem vestígios de retorno. Atraídos pelo cheiro do sangue, começam a afluir aves de rapina, leões, leopardos e toda a bicharada ávida de repasto. O Palaio lá foi abatendo ou afugentando alguns no sentido de salvaguardar a peça. Mas ... e agora, se também os outros não aparecem? Resolveu então abandonar o local e desprezar o bicharoco, pois não tinha como levá-lo. Descobriu o caminho de retorno sozinho e foi o primeiro a chegar ao Aquartelamento, já noite adentro. Trazia às costas, para seu orgulho, já morto, um "pato" grande, e, cheio de regozijo, dizia: "há ali muitos, muitos, mais!". Só que o "pato" do Palaio não era mais que um abutre ... Os outros militares, que eram quatro, divididos em dois grupos separados, chegaram no dia seguinte, em momentos bem diferentes.
Tiro na mosca
No Destacamento do Luengue, durante uma caçada para abastecimento
alimentar, e estando apeado, um Soldado nosso vê de repente vir em sua direção,
qual comboio expresso em velocidade acelerada, um rinoceronte, cabeça abaixada
com o corno em riste. Levanta a arma, faz pontaria e abre fogo. O bicharoco cai
à sua frente, morto. Mais tarde, Caçadores Profissionais disseram que lhe tinha
saído a sorte grande. O Rinoceronte, afirmaram, tem a cabeça com uma couraça,
tipo blindagem, e há só, nessa zona, uma pequena área, entre os olhos, que é
vulnerável. Mais disseram que um bicho destes tem que ser abatido (mas que não
o faziam, avisaram logo, talvez lembrando-se que era proibido) com arma de
calibre grosso e com bala especial. Na falta dessa bala, deveria cortar-se, em
formato de cone, um bocado dessa outra, para que, com o impacto do embate, ela
achatasse e alargasse o poder de perfuração. Não me lembro já do que foi feito
ao cadáver do bicho, mas deverão ter sido cumpridas todas as normas, até porque
o tiro só foi efetuado em legítima defesa. Não sei se esse Soldado tem sorte ao
jogo …
Natal de 1969
Noite de Natal. Regressa, precisamente ao anoitecer, vindo duma missão,
um Grupo de Combate comandado pelo Temudo. De repente, um Soldado, em pânico,
diz que perdeu a Arma. Durante o trajeto, talvez com receio de adormecer porque
o ronronar do motor do Unimogue é convidativo, pousou a G3 no chão da viatura,
junto a si. E agora? É de noite, voltar para trás nada resultará pois é escuro
como breu. Acertou-se, de imediato, que, logo pela manhãzinha, se faria o
percurso inverso na tentativa de encontrar a malvada escapulida. Ofereci-me
como voluntário para ajudar. Dia de Natal, aí vamos nós quais cães farejadores.
Percorremos durante umas 7 horas toda a picada, perscrutando a sua orla. E … encontrámo-la
mesmo, deitadinha no chão, à espera de mão caridosa ou de uma outra menos
misericordiosa, o que seria extremamente grave. Foi precisamente numa zona onde
habitavam avestruzes de grande envergadura (devem continuar ainda lá, mas já os
descendentes). À nossa passagem desatam numa correria, qual avião rolando na
pista para descolagem, que chegam a atingir cerca de 80 Kms por hora.
Espetáculo lindo, maravilhoso de se ver. Foi só nessa zona, já muito próximo de
Bambangando, que vi este tipo de animal. Regressados ao Aquartelamento, e para
alívio geral, com a recuperação concretizada. Tempo ainda para se saborear algo
de diferente. Para não nos esquecermos que era Natal …
ESPINGARDA AUTOMÁTICA G-3 |
Carlos Jorge Mota