-FARDA OU FARDO?-
Chego dia 27 de fevereiro. Viagem de carro para
casa. No trajeto introduzem perguntas curiosas sucessivas, mas também
reveladoras, percebi logo, de neutralizar as minhas em relação a meu pai, razão
da minha vinda acelerada.
Entro no quarto, ele, deitado na cama, com a feição
completamente desfigurada, entra num choro convulsivo, dizendo, numa voz
deficiente: “vens da Guerra, não te
despediste de mim, e agora vês-me nesta forma!”. Eu, qual durão ceráceo,
retorqui: “o paizinho (assim lhe chamava
eu) está com razoável aspeto e vai
recuperar rapidamente, vai ver!”. Saio, fecho-me no Quarto-de-Banho e choro
desesperadamente procurando abafar o som, pois um homem não chora, muito menos
“um guerreiro”.
Gozo os 30 dias normais da praxe mais os 5 ao
abrigo do então Artigo 109º (se a memória não me atraiçoa). Tempo dum
relaxamento tenso, convívio com a família e com a namorada. Os amigos estavam
todos em África. Ida ao Quartel-General no Porto, para carimbar o Passaporte
Militar, como mandavam as regras, para confirmar a presença na cidade.
O Dr. Cruz, acompanhante da
doença de meu pai, tio dum cunhado meu, informa-me, com indisfarçável
dificuldade: “Jorge, quando voltar para
Angola não vai voltar a ver o seu pai! Vai-lhe dar o 3º AVC – estão reunidas
todas as condições, não sei é quando ocorrerá – e ele não irá resistir”.
Fiquei siderado.
O tempo de regresso aproxima-se rapidamente pois
o tempo de convívio não passa ... voa. Peço à família que quando, e se, o pai
falecer não me avisem de imediato, pois não quero conceber a ideia de receber
um telegrama informando-me desse facto e eu não poder estar junto a ele. “Comuniquem-me passados aí uns dez dias”,
disse eu.
Decorridos num ápice os dias 27 e 28 do segundo
mês daquele ano de 1970, todo o mês de março e o 1º de abril, estou eu de mala
feita para embarque no dia 2 em Pedras Rubras.
Entro no quarto de meu pai, e ele, balbuciando,
diz: “já vais, não é? Vai, vai, é o teu
dever e deves cumprir essa obrigação”. Nascido em 1903, viveu as duas
Guerras Mundiais. O termo “guerra” era muito emblemático para ele, mas teve
sempre um sentido muito patriótico acerca dos conceitos da época sobre as
Províncias Ultramarinas. Sabia bastante da matéria relacionada com a defesa das
Colónias aquando da I Guerra Mundial. Eu, qual autómato sorumbático,
aparvalhado, dou-lhe um beijo e um abraço e saio rapidamente do quarto. Procuro
colocar a minha mente já em Angola para tentar fintar o pensamento que me
assalta e me fere o coração.
Abraços e choros circunstanciais dos presentes,
entro no Caravelle da TAP em Pedras
Rubras e concentro-me já em Lisboa, onde me aguarda um Jumbo (Boeing de 2 pisos) na sua viagem inaugural, chamado “Vasco
da Gama”, com destino a Luanda.
A premonição do médico foi cumprida quatro meses
depois.
Carlos Jorge Mota
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