-FARDA OU FARDO?-
Aterro em Luanda e tenho a aguardar-me, no
Aeroporto, o meu amigo Francisco Fontes, irmão do já citado Noé - que comigo
tirou uma fotografia em casa dos meus pais -, e que igualmente viria a ser meu
colega no mesmo Banco, terminando a sua carreira como Gerente do Balcão da
Venda Nova. Transmito-lhe que está tudo bem com a sua família, entrego-lhe um
pequeno pacote de que fui portador e relato a situação do meu pai. Ele estava
por dentro de tudo mas nunca me havia revelado absolutamente nada. Dirigimo-nos
para o domicílio de seu Tio António, na Avenida Brasil, próximo da Vila Alice –
homem generoso e muito prestimoso, a quem muito fiquei a dever na vida, recentemente
falecido em Celorico de Basto. Não soube atempadamente da sua morte razão por
que não estive presente no seu funeral, o que muito lastimo -, casa onde eu
estive aboletado durante os 3 meses enquanto a minha Companhia esteve de
Serviço à Rede logo após o desembarque em 21 de maio do ano anterior. Os
Graduados estavam autorizados a pernoitar fora do Quartel do Grafanil, havendo
uma viatura que fazia a recolha domiciliária diariamente logo pela manhã cedo.
Fardo-me e dirijo-me imediatamente ao QG
(Quartel-General) para me apresentar na Região Militar de Angola, a fim de carimbar
o Passaporte Militar e, dessa forma, regularizar a minha situação de retorno à
RMA. Fui dispensado de me apresentar nos Adidos uma vez que a viagem para Serpa
Pinto teria lugar daí a dois dias, tempo aproveitado para gozar Luanda e os
seus encantos.
O AUTOR E O XICO FONTES NA MARGINAL |
NA ILHA DO MUSSULO |
Trajando à civil, tomo um Friendship (avião turbo-hélice) da DTA para Serpa Pinto, via Nova
Lisboa. Para minha surpresa, vejo na Pista de Aterragem, à chegada àquela
longínqua cidade, o Major Ló, também trajando à civil. E para meu espanto,
depois de cumprimentos feitos por ele a algumas pessoas que comigo viajaram,
dirige-se a mim, pôs a mão no meu ombro e diz-me: “então Mota, como correram as férias?”. Fiquei admirado por ele ter
conhecimento que eu viajava ali e ser sabedor do meu nome, não pertencendo eu
ao seu Batalhão… A minha Companhia encontrava-se em reforço da sua Unidade mas
não lhe era organicamente afeta. Dei-lhe uma resposta de circunstância e
procurei ser afável. “Disparou” de imediato: “É preciso ir rapidamente para baixo pois há por lá uns problemas que eu
quero ver resolvidos com urgência!”. Deduzi ao que se reportava, pois,
antes da minha saída, tinham sido detetadas situações anómalas quanto a
abastecimentos em alguns nossos Destacamentos. Com um ar respeitoso, disse-lhe
eu: “vou já tratar à CCS do transporte no
Cessna, pois quanto mais depressa lá chegar mais depressa mato o leão!”.
Olhou para mim com um ar circunspecto, num misto de surpresa pelo atrevimento e
algo que não estivesse a entender, tentando adivinhar o sentido dúbio das
minhas palavras, e, inteligente como era (é, ele ainda é vivo), o seu semblante
sofreu uma metamorfose rapidíssima: passou do olhar gélido, tipo “fuzilamento”,
para o do sorriso, dizendo, com alguma simpatia: “a notícia do Luengue chegou rápida, já estou a ver!”. É que o
Carlos Paulo, da Companhia de Cavalaria 2499, tinha abatido um leão no
Destacamento do Luengue, o que era absolutamente proibido. Foi-lhe feita uma
ameaça duma punição muito severa, mas, felizmente, nada aconteceu. Desconheço o
destino que foi dado ao cadáver do bicho, desde a juba até aos ossos …
Feitas as necessárias e
habituais diligências na Secretaria da Companhia de Comando e Serviços do
Batalhão de Cavalaria 2870, eis-me pronto para embarque, no dia aprazado, fardado de camuflado, no Cessna dos “nossos
primos”, de regresso à minha “família militar”.
Carlos
Jorge Mota
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