-FARDA OU FARDO?
Luanda
estava cercada por uma Rede de Arame Farpado, interrompida, apenas, nas três
estradas que dela irrompiam: Estrada do Cacuaco (rumo ao Distrito do Zaire ou
Congo e também ao Distrito de Uíge, na sua parte noroeste), Estrada de Catete
(para o planalto central e para toda a restante zona angolana, tomando as
respetivas vias nos locais apropriados com as suas várias derivações) e a
Estrada da Barra do Quanza, rio junto do qual terminava, pois, na altura, ainda
não existia a atual ponte que permite agora todo o tráfego para sul,
nomeadamente o da zona costeira. Pouquíssimas pessoas civis saberiam da
existência dessa Rede, dado que não era visível das estradas - o mato a encobria. Ela, sob o ponto de vista
militar, tinha a dupla função de impossibilitar a penetração na cidade de
indocumentados – nos postos colocados na via, por vezes, e duma forma
aleatória, as viaturas eram mandadas parar para efeito de controlo – e também
de dissuadir eventuais ações de guerrilha urbana dado que a subsequente retirada
para o Mato se tornaria muitíssimo dificultosa. Para nós, recém-chegados, ainda
branquinhos, era uma tarefa sem risco, apenas cansativa pois o serviço era
feito 24 horas ininterruptas, com alternância das Companhias do Batalhão nesta
missão e na de patrulhamento. O perímetro de arame-farpado continha Postos de Vigia
e uma picada por onde se deslocavam as viaturas, quer para transporte do
pessoal quer para ronda. Logo no primeiro mês, uma Berliet que se deslocava
para o posto na Estrada da Barra do Quanza, ao contornar uma rotunda, o seu condutor
descontrolou-se e houve pessoal cuspido, do que resultaram vários feridos
alguns dos quais bastante graves e cuja evacuação para Lisboa houve necessidade
de fazer e que não regressaram mais.
Luanda,
portanto, sempre à vista. Finda a ação rotineira diária no Campo do Grafanil,
com exceção dos dias de Serviço à Companhia, apanhávamos a Camioneta Militar
para o centro da cidade e eu dirigia-me de imediato para a casa do “Tio Tono”
com cuja família, aos fins-de-semana, acompanhado do sobrinho meu amigo e
camarada Fontes, íamos amiúde fazer uns piqueniques para matagais próximos à
praia.
PIQUENIQUE |
HELENA,ZÉ ANTÓNIO E MANEL FAMÍLIA VASCONCELOS |
Como,
durante a minha infância, a família Vasconcelos, com cujos filhos Zé António e
Manel eu brincava – curioso que esta família morava na casa que foi
posteriormente ocupada pela família da que viria a ser minha namorada e mulher –,
foi para Angola, eu tive o cuidado de ir munido do seu endereço em Luanda. Moravam
na Rua António Enes, nas Barrocas, para os lados de Miramar. Fui procurá-los e
voltámos a reencontrar-nos passados tantos anos. Foi emocionante, pena que
fosse naquelas circunstâncias, mas houve oportunidade para alguns convívios.
Entretanto,
no mês de junho, veio para Luanda, em férias, e encontrava-se a meio da sua
Comissão, o meu amigo e irmão dum meu cunhado, Zé Albertino. Como eu tinha levado
um Gravador Telefunken, grande, mas portátil, tinha uma pega, resolvemos
encontrar-nos na pensão onde ele se hospedou, junto ao Largo de Serpa Pinto.
Fizemos uma gravação de mensagem, a dele separada da minha, e eu enviei a
bobine para as nossas famílias que, posteriormente, gravaram também as suas e
ma devolveram. Hoje, passados mais de 40 anos, e o Zé Albertino já não está
entre nós, consegui transformar essas gravações, separando as duas, e
digitalizá-las. Entreguei uma cópia em CD aos seus dois filhos e ao meu
cunhado, seu irmão. Para os da minha família, entreguei cópia a cada uma das
minhas irmãs e aos dois filhos do meu falecido irmão. É emocionante ouvir hoje
aquelas vozes, num total de cerca de 20 pessoas, metade das quais já faleceram.
Fica a recordação.
E a
rotina diária era quotidianamente retomada. Parecia até que não tinha ido para
a Guerra. Mas, eis que chega a notícia do fim desta etapa. E nova aventura irá
ser iniciada …
Carlos
Jorge Mota
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