- FARDA OU FARDO?-
Chegada
ao Porto de Luanda do Navio Vera Cruz,
com tropas frescas a bordo para rendição de outras, prevista para 20 de junho,
de manhã. Uns dias antes dessa data, começa a nossa entrega do Armamento,
Munições, das Viaturas, do material de Transmissões, enfim de tudo que nos fora
confiado para o desempenho da missão de 24 meses, mais o “mata-bicho”. E as
deslocações para as Chefias dos respetivos Serviços, na baixa de Luanda, se
sucedem, no seguimento das diligências por mim iniciadas e de cuja incumbência
fora encarregado, não obstante permanecer na Província, por mais um bom número
de dias razoável, uma Comissão Liquidatária, como era normal, na esperança que
tudo estivesse em ordem e nenhuma anormalidade fosse detetada e impeditiva de
quitação. E a azáfama do encaixotamento logo se inicia. Só se ouve martelar, por
todo o lado do Campo Militar do Grafanil onde nos encontrávamos, pregando
caixotes e mais caixotes, para embarque no porão. Eu trouxe três, com o meu
nome e posto e a designação da Companhia, tudo bem visível do exterior, pintado
a tinta branca, para levantamento em Abrantes. Uma correria em busca de tábuas,
improvisando-se tudo que servia para esse desiderato. Entretanto, somos
sabedores que o navio se atrasou 12 horas. Chegaria, portanto, só à noite, o
que, em termos práticos para nós, representaria um dia, pois nessa noite de 21
ele estaria ocupado nas operações de descarga, quer do pessoal embarcado quer
do conteúdo dos seus porões quer ainda em reabastecimento. Vim a saber depois a
razão desse atraso. Ao largo do Golfo da Guiné, durante a exibição dum filme,
um Soldado, pendurado nos cabos do navio (em linguagem marítima cordas são
cabos), desequilibrou-se e caiu à água. O Vera
Cruz parou os seus motores e permaneceu na zona cerca de meio dia na
esperança de recuperar o rapaz, vivo ou morto, mas, e infelizmente, sem
resultados positivos. O navio retoma a marcha e chega atrasado a Luanda. As
implicações do retardamento irão surgir no regresso, connosco a bordo.
VERA CRUZ NUNCA IMAGINARIA QUE CERCA DE 6 MESES ANTES ELE ESTEVE PRESTES A IR AO FUNDO COM 3 800 HOMENS A BORDO, VINDO DE MOÇAMBIQUE AO LARGO DE EAST LONDON ( R A S ) |
PREPARATIVOS PARA O EMBARQUE
Da
minha Companhia, o Fernando Temudo resolveu ficar a residir em Angola, bem como
mais, pelo menos, dois Soldados. Das outras Companhias houve igualmente pessoal
que ficou por lá, razão por que todos entraram de licença registada à data da
saída do navio. Não quiseram, todavia, deixar de nos vir dar um abraço. Sabe-se
lá se nos voltaremos a encontrar um dia?
E CHEGA A ORDEM DE EMBARQUE |
Como
alguns Camaradas tinham lá família e outros tinham já feito namoritos, com
promessa de voltar, houve choros e ranger de dentes, fora do navio, que
aumentaram de intensidade, até com algum histerismo, quando o pessoal passou
para bordo, atingindo o apogeu com o apito estridente do barco, em jeito de
despedida. Cerca das 10 horas da noite do dia 21 de junho de 1971 o Vera Cruz zarpa de Luanda, rumo a Lisboa.
Curioso foi o súbito e estranho sentimento que se apoderou de mim
(provavelmente generalizado a todos): olhar para aquela terra onde passei 26
meses, onde senti algumas alegrias, muita saudade e tristezas, por vezes fome e
sede, momentos de desespero … e começar a emergir uma nostalgia inesperada, num
misto e contraditório pensamento – colocar-me mentalmente no destino mas observando
embevecido esta linda terra que vou agora deixar …
Carlos
Jorge Mota