-FARDA OU FARDO?-
Depois
de cerca de um ano de separação do nosso Batalhão, finalmente regressámos ao
seu seio. Marchámos para Luanda novamente por estrada alcatroada, fora de zona
de atuação do IN, mas com percurso ligeiramente diferente do da vinda para
Serpa Pinto: tomámos a via de Chitembo, em vez de Artur de Paiva, e passámos
pelo Chinguar, muito perto de Nova Lisboa. Parámos finalmente em Quibala para
reabastecimento na Unidade de quadrícula de lá, onde pernoitámos. Dia seguinte,
logo pela manhãzinha, arrancámos com destino final ao Grafanil, com passagem pelo
Dondo, linda localidade nas margens do Rio Lucala, que ali se junta ao Rio
Cuanza, de que é afluente. Finalmente juntos, de novo, na capital. E refeição
quente à nossa espera, após mais dois dias a Ração de Combate.
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EM QUIBALA |
Somos
então sabedores que a vida das outras Companhias, sob o ponto de vista de
atuação militar, tinha sido bastante dura durante aqueles meses da nossa
ausência. A CCS, através do seu PelRec (Pelotão de Reconhecimento), que incluía
uma Secção de Sapadores (homens especializados em Minas e Armadilhas), tinha sido
destacada inúmeras vezes para missões ao Norte de Angola, embrenhando-se em
plena zona de Selva, suscetível de contactos frequentes com o IN, fosse a fazer
escoltas aos denominados MVL’s (Movimento de Viaturas Logísticas), isto é, colunas de camiões civis
transportando toda a logística, quer a militar quer a destinada à atividade
civil normal das localidades por onde passavam, fosse também em tarefas de
fornecimento de Mantimentos e Munições a Unidades mais isoladas. As outras duas
Companhias Operacionais, a 2504 e a
2505, também ficaram incumbidas de ações bem perigosas, nomeadamente do controlo
de áreas das margens do Rio Dange, de cuja ponte principal ficaram alguns meses
a manter segurança. Tiveram aí diversas baixas, quer em mortos quer em feridos.
Fazendo
uma comparação objetiva, concluímos então, nesse momento de chegada, que a
nossa Guerra até tinha sido menos penosa, apenas o isolamento de centenas de
quilómetros a sul da civilização nos foi muito adverso.
Como tomámos
logo conhecimento que iríamos ser destacados a curto prazo para Operações no
Norte e que brevemente nos seriam apontados novos destinos definitivos,
procurámos tirar partido da vida de Luanda o máximo possível, principalmente da
noturna, até porque a quase totalidade do pessoal (não foi o meu caso, pois
tive férias nesse período) já não via uma mulher há muitíssimos meses.
Eu,
pessoalmente, voltei a aboletar-me em casa do tio do meu amigo de infância
Francisco Fontes, pertinho da Vila Alice, para minha melhor comodidade e,
principalmente, para convívio tipo familiar. Só que o Fontes estava já perto do
fim da sua Comissão … mas também eu brevemente voltaria para o Mato, com o final
da minha ainda a uns 10 meses de distância temporal.
Dia 29
de agosto de 1970, estando nós os dois a conversar, digo-lhe eu: “eh pá, não sei o que se passa, não recebo
carta nem de casa nem da Vitória (minha namorada) há um bom par de dias”. Ele ficou tenso, reflexivo, até que
disparou: “olha lá, tu tens que saber e
tens que saber mesmo: o teu pai faleceu. Recebi há uns dias a notícia de minha
casa”. Meu pai tinha partido para a sua última viagem no dia 16 anterior. Uma
carta do Porto para Luanda demorava, nessa altura, dois dias a chegar ao
destino, no máximo três. No dia seguinte à expedição estava em Lisboa e seguia
no avião da TAP, diário, logo de imediato. Os CTT estavam instruídos para dar
prioridade ao Correio destinado a Militares pois é dos livros que a Retaguarda
de qualquer Guerra é fundamental para manter o elevado espírito moral das
Tropas. E um destinatário militar era distinguido pela sua visível designação.
Era escrito o Posto, o Nome e o Código do S.P.M. (Serviço Postal Militar). A
cada subunidade (Companhia) era atribuído um número composto por 4 algarismos, sendo
que o último se reportava à Região Militar respetiva ou ao CTI (Comando
Territorial Independente) Guiné, que era
8. No caso de Angola era 6. O meu S.P.M. era o 7416.
Foi um
choque terrível no meu coração, embora a notícia não fosse propriamente inesperada.
Fomos ao cinema nessa noite, eu tentando espairecer um pouco a minha cabeça e
ele a fazer a descompressão por algo muito dificultoso que tinha para narrar …
Carlos Jorge Mota