-FARDA OU FARDO?-
Coluna formada, lá vai o pessoal da segunda
metade, sem Rádios nem Bússolas - que ficaram na Coutada entregues à Companhia
que nos rendeu -, com uma Berliet na frente da marcha, por razões óbvias de
segurança, rumo ao Destacamento da
Coutada do Luengue, local da nossa primeira pernoita. Recolhido o nosso Grupo
de Combate já entretanto rendido pelos noviços, aí vamos nós, logo pela
manhãzinha, pela picada que liga ao Rito, muitos quilómetros à frente, onde nos
aguardará uma LDM (Lancha de Desembarque Média) da Marinha, com hora marcada
para o dia seguinte. Ao anoitecer, o Capitão Santana ordena que paremos para
descanso e também por razões de segurança. Embrenhamo-nos na mata, ainda tipo
savana. Ao clarear, toca a acordar o pessoal para retoma da viagem. Apercebo-me
que o Capitão está um pouco irrequieto, tenso mesmo. Tinha suficiente confiança
com ele, respeitando-o, obviamente, quer como Comandante quer como humanista
que sempre demonstrou ser. Pergunto-lhe: “Meu
capitão, há algum problema?” Ele respondeu logo: “Oh pá, não sei para que lado hei de seguir. Não tenho bússola! Estamos
tramados!” (o termo não foi bem este, foi outro mais militarizado). Eu
respondi-lhe de pronto: “Mas eu sei!”
– “Sabe, como? Você tem nariz de pombo-correio?”,
disse ele. Habituado ao uso da minha inseparável bússola (comprada antes do
embarque e que ainda hoje transporto sempre comigo como talismã) nas entradas
da mata aquando das caçadas, pois, naquele tipo de vegetação, facilmente se
anda às voltas, pensando estar a seguir numa direção certa, principalmente de
noite, ao desviar de uma árvore e de outra a seguir, ao entrar na mata saindo
da picada, naquela noite, instintivamente vi qual o azimute que seguimos.
Disse-lhe, então. “Meu Capitão, tenho
aqui no bolso um pombo-correio!”, e mostrei-lhe a bendita pecinha. Mirou-me
sorridente e disse: “Porra, pá, você é um
gajo mesmo muito organizado. Até nisso!”. Disse-lhe: “reparei que a picada seguia para noroeste. Nós virámos à esquerda,
quando entrámos na mata. Partindo do princípio que a picada é a direito, porque
não haverá aqui próximo qualquer obstáculo, o rio está longe, que eu vi no mapa
que também tenho aqui, é só seguir o sentido inverso (e nós viemos na direção
de aproximadamente 270º), e haveremos de encontrá-la algures. Quando isso
acontecer, é só virar à esquerda”. Disse-me: “vá à frente, então!” e eu respondi-lhe: “Com certeza, se é essa a sua vontade, mas também posso emprestar-lha e
o senhor devolve-mo-la na picada”. – “Também
pode ser”, retorquiu. E assim se procedeu.
Penso que ninguém saberá desta história, salvo
se ele a tiver narrado a alguém. Pusemo-nos ao caminho, que a LDM dos Fuzos nos espera, para travessia do Rio
Cuito, o mesmo rio da Coutada. Ele nasce no Bié, na Serra de Mozamba, e desagua
no Rio Kubango, de que é afluente.
LDM |
UMA VIATURA DE CADA VEZ, MAS CARREGADA |
Sem comentários:
Enviar um comentário