-FARDA OU FARDO?-
Atravessado o Rio Cuito, no Rito, através da
LDM, eis-nos novamente na picada a caminho das instalações do Destacamento dos
Fuzileiros Navais (Marinha) em Vila Nova da Armada, perto do Baixo Longa, ainda
a uns bons quilómetros de distância a percorrer.
COM UM CAMARADA CONTERRÂNEO (DE GONDOMAR) |
O TEMUDO E O AUTOR ATRÁS, OS MECÂNICOS REIS E NUNO |
Somos recebidos como só os Fuzos sabem receber. Os nossos anfitriões acamaradaram connosco
duma forma muito calorosa, procurando que nada nos faltasse e que saciássemos a
fome resultante de vários dias a Ração de Combate. De comida e … principalmente
de bebida, de tal forma que tive que levar o Serginho (nome por que o Sérgio
Lopes era carinhosamente por nós designado) – posteriormente meu colega na
Filial do Porto do Banco Pinto & Sotto Mayor, colocado no Contencioso – ao
colo para a cama e despi-lo, tal era o seu estado de … desequilíbrio. Mas não
foi o único. Os Fuzileiros só deixavam de nos encher o copo quando se
apercebessem que tinham atingido o objetivo … Permanecemos lá um dia, para
retemperar forças e atestar viaturas.
Na conversa decorrente da amena cavaqueira
prolongada até de madrugada, quando são sabedores da Companhia a que
pertencíamos, um 1º Sargento dispara: “Ai
vocês são da Companhia de Caçadores 2506?”, “Ah, seus malandros, então eram vocês
que queriam dar-nos uns tiritos?”. Narra então algo que desconhecíamos em
absoluto.
Numa das operações realizadas na zona de
Mavinga, ainda permanecendo na Coutada do Mucusso, o pessoal da nossa Companhia
teve como missão fazer uma nomadização (“bater” uma designada área de modo a
empurrar o IN) na margem esquerda de determinado rio, pois tropa de outras
unidades encontrava-se emboscada uns quilómetros mais a montante na intenção de
os intercetar e neutralizar. O Héli
prepara-se para largar o pessoal e, então, o Guia, que seguia junto, disse que
esse rio não era o certo, esse era o Rio X, e não o nosso. O piloto afirmou que
estava na posição correta, no Rio Y, segundo o mapa que exibia. Prevalecendo a
afirmação do homem aos comandos – por vezes os Guias deliberadamente induziam
em erro, sendo óbvio, nesses casos, que estariam “feitos” com eles - , o pessoal salta e inicia a
nomadização. Isto foi o que aconteceu.
Agora a versão dos Fuzos: “estávamos nós a fazer
uma nomadização no Rio X quando, ao terceiro dia, nos apercebemos dumas pegadas
em linha, tipicamente ‘batendo’ um terreno. Ora os ‘turras’ não andam em linha,
mas sempre em bicha-de-pirilau” (designação militar para a fila-indiana).
Esse 1º Sargento, que comandava o Grupo, homem experiente neste tipo de Guerra,
já tinha duas Comissões no “papo”, uma das quais na Guiné. E continua a
narração: “Ligo para o PC (Posto de
Comando) e pergunto se anda ali mais
tropa”. Resposta obtida: “não! Só andam vocês! Portanto, tudo que mexa é para
abater!” (não havia população ali). Desconfiado, transmite ao seu pessoal
que algo não estava a bater certo. E continua: “de repente, detectámos miolo de pão no chão. Ora os ‘turras’ não têm
pão. Andava ali tropa nossa, com toda a certeza. Redobrámos o cuidado e
avistámos, então, pessoal ‘nosso’ a abastecer-se de água, indo um de cada vez
encher o cantil ao rio. Tivemos o Morteiro apontado para lá, antes de nos
certificarmos que era mesmo gente nossa. A operação, para nós, parou aí. Será
que nós estamos em terreno errado? Questionei-me eu! Aguardámos o tempo que
faltava, que era só mais um dia, e deslocámo-nos para o local previamente
combinado para a recolha. Procurei indagar depois quais as unidades envolvidas
nesta Operação e soube que nela estava a Companhia de Caçadores 2506. Algo de
anormal tinha acontecido”. Conclusão então tirada: o Guia afinal estava mesmo
certo e quer os Fuzos quer o pessoal
da nossa Companhia foram largados no Rio Y. Constou-se, segundo disseram, que,
posteriormente, tinha sido levantado um Processo de Averiguações ao Piloto da
nossa Força Aérea. Constou-se!...
Colocados de novo na picada, aí vamos nós para
Serpa Pinto, capital do Distrito de Kuando-Kubango, onde chegámos ao anoitecer.
O pessoal da primeira metade da nossa Companhia, contrariamente ao que pensávamos,
já estava em Luanda, junto do Batalhão a que organicamente pertencíamos.
Apresentámo-nos no Comando do Batalhão a que
tínhamos estado adstritos, para uma despedida formal, como mandam as regras
militares, e aí permanecemos dois dias. E dissemos finalmente adeus às
Terras-do-Fim-do-Mundo.
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