-FARDA OU FARDO?-
Chegados
à Estação de Cangumbe, acampámos na zona exterior à Unidade ali instalada, fora
do arame-farpado, num terreno desmatado e ligeiramente inclinado para o lado da
via-férrea. Partiríamos cedo, pois o nosso objetivo distanciava daí uns cento e
oitenta quilómetros para norte, a percorrer por picada perigosa dada a forte
presença do IN nas imediações, zona da UNITA, terra-natal do seu Chefe. Feita a
necessária segurança, em semi-círculo, pois de um dos lados situava-se o Aquartelamento
de Quadrícula, procurámos descansar e dormir algumas horas, nos nossos
sacos-cama.
QUARTEL EM CANGUMBE |
Já bem
noitinha, após ter dormido um pouco, sinto uma enorme vontade de satisfazer
necessidades fisiológicas primárias. Se fosse reequilibrar fluidos, seria
fácil, mas não, era mais completo. “E
agora? Onde vou?” Sair do perímetro de segurança, naquela escuridão, seria
desaconselhável. Lembrei-me, então: “e por
que não ir dentro do Quartel aqui mesmo ao lado? “. Eles, por razões óbvias
militares, de noite tinham uma pequena zona, virada para a Estação, e dentro do
arame-farpado, permanentemente iluminada. A sentinela, desse lado, estava
postada no interior duma fortificação tipo casamata, e quem para lá olhasse via
unicamente a ponta do cano da espingarda, mas ela (sentinela) avistava tudo
para fora. Eles tinham conhecimento que estava ali tropa. Todavia, há que
preservar as elementares regras de segurança. Logo que me aproximo do arame
para transpor a entrada, ouço uma voz, cumprindo o regulamentado: “Quem vem lá faz alto!”, mantendo a Espingarda-Metralhadora G-3
apontada para mim. Parei, disse que era da Companhia de Caçadores que estava no
exterior e que precisava de ir ao WC. Cito o meu Posto e o meu Nome, e ele,
mais uma vez, em obediência às regras estabelecidas, ordena categoricamente: “Avance ao reconhecimento!”. Ando uns
passos e entro na zona iluminada. É então que ouço uma voz dizer, duma forma
eufórica: “Oh Mota, estás aqui?”. Tratava-se
de um rapaz que andou comigo na Escola Primária cujo nome não sabíamos porque
lhe chamávamos “O Tatarelho”, dado que ele se exprimia duma forma muito
peculiar. Ficou conhecido com essa alcunha, mas também não considerava isso um
anátema e convivia bem com a situação. Acabada a Escola Primária, não pertencendo
ele ao grupo de privilegiados que foi estudar, contrariamente à minha pessoa, com
10 anos começou a trabalhar, e nunca mais o vi, pois cada um seguiu o seu
destino. Abraçámo-nos com visível emoção … sem ele abandonar o seu posto e
vigilância, obviamente, e lá fui eu ao meu desiderato.
Manhã
cedo, com uma das Berliets à cabeça
da coluna, por evidente prevenção de eventuais minas na picada – a viatura
pesada logicamente tem maior poder de absorção do impacto do engenho, mas
também protegida com inúmeros sacos de areia, tal qual as viaturas ligeiras
Unimogues – arrancámos para o local previamente definido onde iríamos bivacar
para, daí, a Companhia efetuar as Operações Militares previamente definidas e
cujo PC (Posto de Comando) se encontrava na CCS do Batalhão.
Carlos Jorge Mota
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