quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A INSTRUÇÃO MILITAR

=OPINIÃO=

Foi notícia na passada semana o desaparecimento temporário de dois cadetes fuzileiros, num exercício que faz parte da sua instrução militar.

Este facto, fez-me recuar 52 anos no tempo e recordar a minha fase de instruendo no CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais).

Embora o que vou relatar, seja um assunto anterior à formação da nossa Companhia, entendo mesmo assim, aqui deixar a minha opinião/testemunho.

Decorria o primeiro semestre de 1968 e no CIOE era ministrada somente ao COM e CSM (respectivamente Curso Oficiais e Sargentos Milicianos), a especialidade de Operações Especiais. Naquele tempo, os elementos saídos desta especialidade, viriam a ser futuros graduados na formação de Companhias de Comandos, de acordo com as suas vontades e ou classificação.

Certo dia após o jantar, todo o nosso grupo de combate foi assistir a uma sessão de cinema, num salão que normalmente servia para este efeito. Após o “The End” e mal as luzes se acenderam, subiu ao palco um tenente que em grande gritaria e sem qualquer explicação transmitiu uma ordem: “Têm um minuto para formar”.

REFEITÓRIO CIOE 1968
SALÃO CINEMA

Como estávamos fardados com o camuflado foi mais rápida a formatura, mas mesmo assim, dado o pouco tempo para o grupo ser apresentado, acabaram por vários camaradas, incluindo os respectivos comandantes de equipa, secção e grupo de combate terem de pagar os atrasos com os respectivos exercícios físicos (normalmente flexões de braços, abdominais, cangurus e flexões de braços numa barra que ali se encontrava para o efeito).

Depois de um nosso camarada, que naquela altura comandava o grupo e que não recordo o nome, o ter apresentado ao tenente, como pronto e com o castigo cumprido, retiraram tudo o que tínhamos nos bolsos, ataram-nos as mãos atrás das costas, taparam-nos os olhos e equipa por equipa, sem qualquer explicação, ia entrando para uma viatura pesada com capota. A minha viatura arrancou depois de uma viagem que para mim foi longa, finalmente parou. Senti-me agarrado e quase transportado ao colo desceram-me da viatura. Lembro-me de ter gritado para os meus camaradas, como já dois anteriores tinham feito, pronunciando o meu nome quando me estavam a descer da viatura.  De seguida mandaram-me sentar no chão e quase ao ouvido, segredaram que tinha como ordem regressar com a ninha equipa ao CIOE e no caso de sermos encontrados, sofreríamos as consequências. Por último só ouvi o ruído da viatura a afastar-se.

Que fazer? Não sei onde estava. Tentei desamarrar-me sem conseguir. Senti com as mãos que o chão tinha caruma (folha do pinheiro) e que porventura estava encostado a um. Tentei levantar-me, mas tropecei e caí. Levantei-me e tentei deslocar-me pé ante pé. Dei alguns passos e senti ruído ainda muito abafado. Perguntei quem estava aí. Já não me recordo quem, mas penso que era o Pereira, elemento da minha equipa e infelizmente falecido neste curso, num exercício de progressão debaixo de fogo real. Viemos ao encontro um do outro e costas com costas, conseguimos desamarrarmo-nos. Não tínhamos nada connosco, nem um simples relógio. Fomos logo ao encontro dos outros elementos da equipa, que também já estavam operacionais para prosseguir a nossa futura caminhada. A minha equipa era constituída pelo Vigia, Pires, o falecido Pereira, Campos da Cia irmã 2504 e eu próprio. Tudo era escuro e não sabíamos onde estávamos. Caminhámos até encontrarmos três caminhos e por sugestão do Campos seguimos pelo do meio. Mais à frente, mas ainda longe, avistámos uma pequena luz e para lá nos dirigimos.

Tratava-se de uma casa isolada. Apareceu ao ouvir ruído uma mulher, a quem logo perguntámos onde estávamos. -Oh! Meus filhos! Também tenho um filho na Guiné. Vocês ainda estão muito longe de Lamego. Caminhem por este carreiro e mais à frente vão encontrar uma estrada, que vai dar a outra que vos levará à cidade.

Tínhamos duas hipóteses. A mais fácil era seguir a indicação daquela mulher. A outra com mais dificuldade de sermos detectados seria progredirmos a corta mato. Optámos por ir pela estrada tomando especial atenção para as patrulhas que se encontravam muito reforçadas pela CCS do CIOE.

Não podemos esquecer que estamos no ano de 1968, raramente encontrávamos pessoas e nas estradas passava uma viatura de quando em vez. Até chegarmos ao quartel vários episódios aconteceram. Tivemos de fugir várias vezes das patrulhas camuflando-nos na borda da estrada, em que uma das vezes ao rebolarmos por uma pequena ribanceira saímos todos picados com o tojo que existia no pinhal, comemos cerejas empoleirados numa cerejeira e o mais estranho foi o de já rompendo a manhã, comermos numa pequena tasca bacalhau demolhado com um copo de tinto. Penso que quem pagou foi o Pires, que tinha escondido escapando à inspeção, uma nota de vinte escudos muito enroladinha numa bainha do quico. Acusando em muito a instrução do dia anterior as peripécias passadas e os quilómetros percorridos, chegamos por fim ao quartel.

Resumindo este exercício, podemos dizer que contando com a surpresa, o incerto as dificuldades de orientação e outras, fomos deixados nos pinhais de Castro Daire e conforme o percurso a trinta ou quarenta quilómetros de Lamego. Estávamos a aprender o lema das Operações Especiais, “QUE OS MUITOS, POR SER POUCOS, NÂO TEMAMOS”.

Depois de todo este já longo testemunho, quero opinar que um país com forças armadas, tem a obrigação de preparar muito bem os seus militares, de acordo com as funções que irão desempenhar nos seus vários ramos. Uma ou outra vez, também é notícia um acidente nessa preparação, mas colocando de parte um possível exagero, muito pior seria se num teatro de guerra não tivessem essa preparação. Claro que falo das tropas mais operacionais que deverão possuir a mais extrema preparação militar, disciplina, capacidade de sacrifício e os mais altos conhecimentos de operacionalidade militar.

Na minha experiência militar como miliciano (quase quatro anos), os 27 meses passados em Angola em zona 100% operacional, foram mais facilmente suportados, dada a preparação militar anteriormente recebida. Tive contacto com alguns militares que conheciam mal a arma que lhe estava distribuída.

ZENZA
DANGE


A nossa Companhia episodicamente teve contacto com o inimigo, mas estou plenamente convencido, que a nossa postura no terreno teve grande importância. Já anteriormente escrevi que, a disciplina, todo o nosso saber mecanizado na instrução militar, a nossa capacidade de sacrifício e abnegação eram sempre em operacionalidade postos à prova. A Companhia 2505, pela instrução militar que obteve na sua formação estava bem preparada, para a missão que lhe iria ser atribuída. Era costume exclamarmos: -“Não somos melhores nem piores, somos diferentes”.
JM