sexta-feira, 30 de outubro de 2020

FALECIMENTOS NA COMPANHIA

 -NOTÍCIA-

Só agora, tivemos conhecimento do falecimento há já algum tempo, não sendo possível determinar a data, do nosso camarada de armas FRANCISCO DA GRAÇA LEONARDO, 1º. Cabo Enfermeiro Auxiliar na Secção de Saúde da nossa Companhia.
O Leonardo, revelou sempre boa formação moral e ótimas qualidades na função da sua especialidade, quer nos acampamentos por onde passou, quer no acompanhamento de várias missões operacionais.
Era natural de Loureiras, concelho de Ferreira do Zêzere e deixou-nos bem cedo. Fica aqui a recordação, dos bons momentos passados na sua companhia. Aos familiares e amigos, apresentamos o nosso profundo pesar.
Descansa em paz Leonardo e até um dia.

Texto: João Merca
Foto: Mário Tavares

domingo, 25 de outubro de 2020

O CANAGE, A PICADA E A TECNIL

 -TESTEMUNHO-

Estamos na Região Militar Leste e decorre a Operação Lance. Esta operação, consistia em dar proteção próxima e afastada aos trabalhos de construção e asfaltagem, da futura estrada entre o Lucusse e a cidade do Luso, a cargo da empresa Tecnil. Fazíamos, também, o transporte do pessoal daquela empresa no fim do dia, do local dos trabalhos ao Luso e vice-versa, excetuando os domingos e feriados, assim como, com o avanço dos mesmos pernoitarmos na picada, montando segurança à maquinaria, que à noite ali ficava.

A PORTA DE ARMAS
A foto acima publicada mostra a entrada para o nosso acampamento em bivaque, sem porta de armas, nem alguma espécie de cavalo de frisa. Chamou-se Canage a este estacionamento, por estar ao lado do rio com o mesmo nome. A Tecnil, terraplanou o terreno, não só no seu interior, como também, em uma ou duas centenas de metros à sua volta, dando-nos uma muito boa visão circundante. Protegidos à volta por uma barreira de terra, o maior perigo seria o ataque inimigo com armas de tiro curvo, excluindo completamente um possível ataque, com armas de tiro tenso.
A COZINHA
A BARREIRA AO FUNDO
Assim, vivemos em tendas cónicas, dormindo no chão sobre colchões de ar, todo o mês de Novembro de 1970 até princípios de Janeiro de 1971.
AS TENDAS CÒNICAS
Os dias passavam bastante ocupados dada a constante operacionalidade, com rendições constantes, idas e vindas ao Luso, para transportarmos o pessoal da Tecnil no fim dos trabalhos do dia e lá pernoitando, regressávamos no dia seguinte, sendo rendidos por outro grupo de combate. Salvo dois ou três patrulhamentos e creio uma operação a possível posição inimiga, a vida passava-se entre a picada e o acampamento.
A PICADA ANTES DAS OBRAS
O RIO
OS PETISCOS E COPOS
No tempo livre e como era nosso costume para esquecer o dia a seguir, para além de descansar, aproveitávamos para nos distrairmos das mais variadas maneiras. Para além da Rádio Canage com o rio ao lado, tínhamos banho e praia garantidos e à noite os petiscos e as loiras cucas e nocais. Aqui, também passámos um Natal e uma Passagem de Ano.
Claro que pelo exposto tudo isto parecia uma pasmaceira, mas nem tudo foram rosas. Tivemos alguns problemas, um bastante grave, mas isso é assunto para outro testemunho.
Hoje, sei que este local foi aproveitado para construir uma povoação, que possivelmente tem o mesmo nome.

Texto e fotos
 João Merca

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

FALECIMENTOS NO BATALHÂO

-NOTÍCIA-

Com especial referência para todos os camaradas de armas do Batalhão de Caçadores 2872, informamos que no dia 11 do corrente faleceu em sua casa aos 73 anos, vitima de possível paragem cardiorrespiratória, o irmão de armas e grande amigo MANUEL MARQUES PIMENTA, Furriel Miliciano Atirador / Minas e Armadilhas, Comandante da 2ª. Secção, do 3º. Grupo de Combate da Companhia irmã 2504.
O Manuel era natural de Alijó, Pinhão e vivia no Barreiro. O funeral realizou-se no passado dia 14 de Outubro partindo da Capela da Igreja de Santa Maria, no Barreiro, às 14H00, para o crematório da Quinta do Conde. O corpo esteve presente na capela a partir 10H00 do mesmo dia.
EM AGOSTO/2018 ASSOCIAÇÂO COMANDOS, UMA DAS MUITAS PARÓDIAS
 QUE REALIZÁMOS: A ÙTIMA FOI EM MARÇO 2020, NO GUIZADO

O Manel no comando, Neves, Merca e Pimpão.
Notícia inesperada que nos deixou em choque. Fica também aqui, a recordação dos bons momentos passados e o adeus de todos aqueles que com ele mais conviveram.

À esposa, filha, restantes familiares e amigos, apresentamos o nosso mais profundo pesar.
Descansa em paz Manel e até um dia.

João Merca

terça-feira, 6 de outubro de 2020

A VIDA NO LUNGUÉ-BUNGO...E O "CABO GULOSO"

 -TESTEMUNHO-

Lungué-Bungo, última etapa da nossa comissão de serviço em Angola. O rio com a sua ponte, o agrupamento de fuzileiros e o campo de futebol, na margem direita a sul da ponte. A "Ilha do Hipopótamo" e aquilo a que chamamos praia, a norte da ponte. Na direção de Gago Coutinho  do lado direito da estrada, no sentido Luso, Gago Coutinho, o nosso aquartelamento, a seguir à casa de negócio e habitação do senhor Fonseca, comerciante e agricultor, radicado em Angola, havia muitos anos, onde vivia com uma angolana. A mulher e os filhos, tinham regressado a Portugal, a seguir ao início da Guerra Colonial, para a cidade de Coimbra. O quimbo, em frente das nossas instalações, do lado esquerdo da estrada.

Foto de Manuel Pimenta: à direita, em primeiro plano a casa do Sr Fonseca.
A entrada do nosso aquartelamento situava-se, logo a seguir. Em frente do Quimbo


Lisboa ficava longe, 9669 Km, como podemos ver o furriel miliciano João Merca a apontar para o pilar. Era longe, mas já estava perto o dia do regresso.
Pilar da Ponte com o Furriel Miliciano Merca a indicar a distância para Lisboa
Muitos camaradas mergulhavam para a água do gradeamento superior da ponte, duma altura, que deveria rondar, entre os 10 e os 15 metros. Aventura que não me seduziu, talvez pelo perigo, talvez por medo, enfim não saltei. Outros camaradas tentaram o ski, alguns com algum sucesso, mais uma vez fiquei pelo Sku, com algumas quedas, antes de começar a skiar.
O Furriel Merca a treinar Ski ao que parece com sucesso
A praia ( 1º. Reis e os Furriéis Zé Simões, Fernando Santos e João Merca) 

O Rio e a Ilha ao fundo

A casa de comércio do senhor Fonseca (vendia tudo) era, frequentemente, palco de muitos petiscos noturnos, já que os petiscos diurnos tinham como cenário a Ilha. Na Ilha, acompanhavam-nos, nestas diversões, os militares do agrupamento de fuzileiros, aliás eram eles que nos transportavam nos botes. Estes petiscos eram sempre bem regados com "catembe", "tricofiht", "banheira" e outras misturas, com tudo o que havia para misturar.

No regresso, raras foram as vezes em que não tivemos de descer o rio ao sabor da corrente. O homem do leme, depois da confraternização, tinha alguma dificuldade em acertar com a passagem: as hélices dos botes ao passarem no meio das pedras eram destruídas por estas, nem as suplentes nos salvavam e também acabavam por se partir.

Petisco no Fonseca
Petisco na Ilha (pode ver-se a lata com a magnifica mistura)

Na retaguarda do nosso aquartelamento, dentro do perímetro de segurança a cargo da nossa companhia, estavam as instalações que serviam de residência aos trabalhadores da TECNIL e seus familiares. A TECNIL era a empresa de engenharia contratada pela JAEA - Junta Autónoma de Estradas de Angola, para efetuar a abertura da picada, com vista à construção da futura estrada Luso - Gago Coutinho, asfaltada após a nossa rendição.
Trabalhos na estrada (TECNIL)

Em frente do nosso aquartelamento ficava o "quimbo". Quando o sol se escondia na linha do horizonte e ainda pairava no ar o cheiro à terra húmida, ao longe, ecoava o som dos tambores, anunciando a presença de enfermos e curandeiros. Estes curandeiros, uma espécie de espíritas, tentavam afugentar o mal que possuía os indígenas,  debilitados pela doença: uma fogueira, um bidon com água a ferver, ramos de palma, o toque do tambor acompanhado de cânticos e exorcismo. Para afastar o mal, ia-se salpicando o paciente com a água quente (muitas vezes a ferver), até este entrar em transe. Participei algumas vezes neste ritual, acompanhado de outros camaradas, no interior do quimbo.

Raras eram as ocasiões em que no dia seguinte, não havia a festa da despedida, o doente, na maioria dos casos, acabava por falecer e voltava o som do tambor, os cânticos e nestas ocasiões o banquete. Segundo os nativos, o banquete, era para comemorar não terem sido eles a partir.

O tambor e o batuque também se faziam ouvir noutras comemorações indígenas, não haveria noite em que não tivéssemos este ritual africano.
Tambores
Fazíamos, então, proteção à “JAEA”, na construção da estrada Luso, Gago Coutinho. Nesta missão os militares que participavam na proteção tinham direito a um reforço alimentar, composto por uma sandes (pão, chouriço ou queijo) e um copo de vinho. Era entregue a um elemento do grupo de combate, escalonado para fazer esse serviço, a totalidade dos pães e do chouriço ou queijo que depois cortava e fazia as sandes no local.
Local de apoio à proteção onde era distribuído o reforço
Chegou a vez a um 1º cabo do 3º grupo de combate, a distribuição do reforço alimentar. Foi abrindo pães, colocando o chouriço e enchendo o púcaro de vinho, um a um, distribuindo pelos camaradas, a determinada altura já não tinha mais ninguém na fila a quem distribuir e ainda sobravam 3 pães, chouriço e vinho, pensou: "eh pá  hoje descuidaram-se e puseram sandes e vinho a mais", então começou a completar os pães sobrantes com o chouriço e ia comendo e bebendo, até que terminou, já muito bem fornecido. Nisto aparecem 3 camaradas que estavam na proteção e só podiam vir depois da rendição, dirigiram-se ao nosso cabo: "dá aí as nossas sandes!", - pergunta o cabo: "quais sandes?" - os militares que estavam a contar com o reforço responderam: "as que temos direito",  - retorquiu o cabo: "já as comi todas, não vieram durante a distribuição!", - o furriel que estava de serviço, ao ouvir este diálogo, interrompeu-os e exclamou: "Oh seu 'CABO GULOSO', agora, vais ficar uma semana sem comeres sandes!".

A partir deste dia ficou conhecido como o "CABO GULOSO" e ainda hoje nos almoços de confraternização é assim que é identificado.
Cabo Guloso em cima do para choque da viatura ali mesmo ao centro

O Lungué-Bungo terá sido, depois de Luanda, o local onde melhor nos sentimos e com muita "estória" para contar. É a nostalgia desse tempo, a falar, onde a guerra, ficou um pouco para trás.

A história do "CABO GULOSO" foi-me contada pelo ex-1º Cabo, Joaquim Pereira dos Santos. Obrigado Santos, pela narrativa!

Fotos de: M Pimenta, J Merca, H. de Jesus e J. Santos

F. Santos - Memórias de Angola

terça-feira, 22 de janeiro de 2018