domingo, 27 de dezembro de 2020

FALECIMENTOS NA COMPANHIA

 -NOTÍCIA-

Tivemos conhecimento do falecimento do nosso camarada de armas Mário Manuel Fernandes Jorge, por todos conhecido como o "Jorge Caçador". O Mário Jorge era Soldado Atirador, elemento da 2ª. Secção do 3º- Grupo de Combate da Companhia e era natural de Ermegeira/ Torres Vedras.
Faleceu com 73 anos vítima de uma pneumonia, às 00H30 do dia 26 no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde se encontrava internado desde 7 do corrente mês. O funeral realizou-se hoje pelas 11H00 para o Cemitério do Ramalhal/Torres Vedras.

Dada a relação dos nossos Grupos de Combate convivi bastante com ele, assim como após o nosso regresso de terras de Angola e sempre demonstrou ser um homem de grande afabilidade e fácil trato. Tinha um extraordinário prazer pela caça. onde no leste daquela então Província Ultramarina, demonstrava as suas excelentes qualidades de atirador.

Para todos os que com ele mais conviveram, fica a recordação dos bons momentos passados.
Deixo aqui o nosso mais profundo sentido pesar a toda a família e amigos. Que descanse em paz.

Até um dia Mário

João Merca

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

BOAS FESTAS 2020

SÃO OS NOSSOS VOTOS PARA TODOS OS COMBATENTES EM GERAL E EM PARTICULAR PARA OS DA C CAÇ 2505, FAMILIARES, AMIGOS E SEGUIDORES
João Merca

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

O PADEIRO QUE FICOU CHAMUSCADO...

 -TESTEMUNHO-

João Martins (padeiro) ao centro, com o Mateus (Macary) à esquerda e o 1º cabo Domingos Ferreira à direita

O João dos Reis Martins era um soldado atirador do 1º grupo de combate da Companhia de Caçadores 2505 do Batalhão de Caçadores 2872. Natural de Montemor-o-Velho (não confundir com os alentejanos de Montemor-o-Novo), vila portuguesa do distrito de Coimbra, situada na província da Beira Litoral, distrito de Coimbra. O Martins alternava com o Salvador de Almeida Mondim (este camarada da terra do “carrapau”-Setúbal), na arte de fabricar o pão para o pessoal da companhia, livrando-se assim de algumas missões mais complicadas.

A nossa companhia, sempre acampou no meio da mata, em tendas de campanha (exceção a um curto período de permanência no Grafanil, em Luanda), para fabricar o tão apetecido pão utilizávamos um forno elétrico da marca “REKENA”.

Na última etapa da nossa comissão de serviço, no Lungué-Bungo, era o Martins quem assegurava o fabrico do imprescindível pão que acompanhava religiosamente todas as refeições. Este nosso padeiro era oriundo duma aldeia, onde os fornos comunitários, essencialmente, feitos de barro, todos os habitantes fabricavam pão.

Então o nosso padeiro, no Lungué-Bungo, vinha insistindo que devíamos construir um desses fornos: havia barro, havia água, havia lenha. Isto era o que ele vinha dizendo. Até que um dia, abordou-me diretamente e disse-me: “meu furriel, vamos fazer um forno de barro!”, e prosseguiu: “o meu furriel vai ver que nunca comeu um pão tão bom”. Depois de alguma discussão concordei com ele e disse-lhe: “então vamos construir o forno”.

O João Martins tinha sempre boas relações com os companheiros do pelotão e não só, arregimentou-os para nas horas vagas, participarem na construção do forno. Ao fim de alguns dias, o forno já estava construído, pronto para começar a produzir o pão. Até ficou bonito.

O forno de barro
Havia, então, de experimentar o resultado da obra, sendo que sempre tínhamos a alternativa de ligar o forno elétrico.  Depois de amassado e pôr a  fermentar a massa, tínhamos de aquecer o forno:  lenha, alguns pastos e os indispensáveis fósforos.  O nosso padeiro, começou por acender os fósforos para pegar fogo ao pasto para começar a arder a lenha, mas nada. O fogo apagava-se logo. Então ele diz: “vou ali aos mecânicos para lhes pedir uma lata de combustível e atear o fogo”.  Dito e feito: abalou e regressou com uma lata  de combustível  (não sei se seria de gasolina ou gasóleo). 

Ato contínuo atirou todo o combustível sobre a lenha e ficou tudo pronto para atear o fogo. Ele bem se afastou um pouco da porta do forno (nós ainda mais afastados), atirou o fósforo a arder para dentro do forno.  Grande confusão, sai do interior do forno, uma labareda e fumo que apanhou a cara e os braços do padeiro,  ficando completamente negro, só se viam os olhos. Pensei “estou desgraçado, autorizei esta “merda” e agora fico com o padeiro todo queimado”. Rapidamente conduziu-o até à tenda da enfermaria, sem saber no que aquilo resultaria.  Chegados à tenda, disse para o furriel enfermeiro:  “Eh pá! Temos de evacuar este gajo para o hospital do Luso, está todo queimado”; o furriel enfermeiro observou-o, olhando para a cara dele atentamente e fez logo ali o diagnóstico: “o gajo só está chamuscado, só tem de lavar a cara e fica como novo”. E assim foi, não passou dum susto!

F. Santos – Memórias de Angola

30 de setembro de 2020 

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

A MINA NA CAÇADA

 -TESTEMUNHO-

O dia 13 de Dezembro de 1970, amanheceria como muitos outros. Nesse dia às oito da manhã e sem grandes formalidades, eu e o meu grupo de combate estaríamos de serviço. Entraríamos numa espécie de piquete, com alguns elementos destacados durante o dia para rotineiras tarefas no acampamento. Um outro grupo, penso que o terceiro efetuaria a segurança ao acampamento. Tudo apontava para um dia calmo possibilitando a hipótese de um merecido descanso.

Estávamos no Canage e nessa altura se não me engano, comandava o grupo de combate, que pela ausência do nosso maior, o J Franco estava à frente da companhia

O ACAMPAMENTO NO CANAGE

O Canage era nem mais nem menos o lugar, onde a picada Luso/Gago Coutinho, atravessava o rio com o mesmo nome e que mais à frente iria desaguar no rio Lungué-Bungo, este que  a jusante acabava no rio Zambeze. Aqui, a Empresa Tecnil aplanou o terreno e devastando a savana em seu redor, criou as condições para montarmos um acampamento provisório onde permanecemos algum tempo, passando lá o último Natal, na nossa quase finda comissão de serviço. Excetuando uma ou duas tendas quadradas, sendo uma delas a nossa messe, dormíamos em tendas cónicas e tudo o resto era passado ao ar livre.

A vida corria normalmente naquele local, salvo um ou outro susto no cumprimento da missão que nos tinha sido confiada e que consistia na proteção próxima aos trabalhos que a Tecnil vinha a executar na picada entre a cidade do Luso e o Lucusse , inclusive também, às máquinas que à noite ali ficavam estacionadas. Na segurança afastada, atuávamos com a efetivação de várias operações de patrulhamento no local, ou outros ofensivos a objetivos, indicados pelo nosso oficial de operações.

O CANAGE

Depois dos contactos havidos com o inimigo no Caminhão, a nossa maior preocupação e dada a configuração do terreno, estava mais dirigida para as minas, especialmente nas picadas.

No leste de Angola e principalmente naquela zona, a savana era a paisagem dominante. Era também local onde caça grossa abundava, em especial ao amanhecer junto a locais com água. Por vezes, quando havia disponibilidade o que não era fácil, saíamos para efetuar uma ou outra caçada, cujo resultado servia para melhorar a dieta do pessoal. O rancho não era nada mau, pois tínhamos um bom “chefe de cozinha”, o nosso vagomestre mas, ou por interrupções no abastecimento por vários motivos ou por o mesmo chegar com os frescos em mau estado de conservação, lá tínhamos como menu, os “ciclistas” com atum ou o arroz de salchichas e vice-versa, quando o pior ainda poderia ser a ração de combate.

Tínhamos bons atiradores onde destaco o Jorge (caçador), que com a caçadeira, mauzer ou G3, raramente falhava. 

A MINHA TENDA

Encontrava-me deitado no meu colchão de ar (no Canage não tínhamos camas de ferro) na tenda cónica, quando um camarada me acordou para ir falar com o Alf Franco. Eram talvez umas quatro ou cinco da manhã, e no seu estilo próprio transmitiu-me: “Houve mexxx com uma das viaturas saídas. Foi uma mina anticarro e há feridos. Arranca já e trata disso e quero saber se vai ser necessário o hélio”.
Rapidamente reunimos o pessoal resmungão, subi para a berliet rebenta minas, assim como o restante pessoal também o fez, em dois ou três unimogues e arrancamos para as coordenadas indicadas. Lembro-me que o condutor era o Inês mas já não recordo os três ou quatro homens que me acompanhavam. Lembro-me ser esta a segunda ou terceira vez que ultrapassei normas banais de segurança, pois era tão grande a vontade de chegar depressa ao local que deixámos de ver o resto da coluna . Gritei para o Inês para afrouxar e depois lá seguimos todos de novo, sempre atentos a uma possível emboscada. 
VIATURA MINADA NO ACAMPAMENTO

Chegados ao local a tragédia estava à vista e logo reforçamos a segurança do local. Todos estavam enfarruscados, surdos, combalidos, com pequenos ferimentos sem gravidade, mais provocados pela queda forçada. A nossa maior preocupação era o condutor da viatura minada, o Proença Gonçalves, que salvo erro, apresentava no pé e perna esquerda ferimento de bastante gravidade. Já estava a receber alguns cuidados que reforçámos com auxiliar enfermeiro que levávamos. Imediatamente, dada a situação de urgência e falando com o nosso Primeiro que também estava na caçada, pedi se não estou em erro ao sinistrado transmissões A Sousa, que enviasse uma “Charlie”, mesmo em claro para o acampamento, informando o comando da Cia, que de imediato nos deslocaríamos para lá, sendo necessário chamar o “hélio” para uma evacuação.
CABINE DA VIATURA
REBOQUE DA VIATURA MINADA
Ficando no local uma secção reforçada na segurança da viatura minada, arrancamos para o acampamento transportando o Proença e restante pessoal que participou na caçada. Mais tarde, voltamos ao local, penso com o Furriel Miliciano José Fernando, comandante da sec/auto e mais alguns camaradas, para tratarmos do transporte da viatura minada
EVACUAÇÃO

O João P Gonçalves foi evacuado primeiramente para a cidade do Luso e felizmente hoje está bem e não deixa de comparecer aos nossos Encontros Anuais. Continua a gostar de caçar.

A parte operacional desenvolvida nesta ação, pelos elementos que possuo e dada a distância no tempo, foi aqui recordada em escrito muito cruzado, tentando testemunhar o que aconteceu naquele dia 13 de Dezembro de 1970.

Texto: João Merca

Fotos: João Merca e João Gonçalves

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

DIA DE FINADOS

 -NOTÍCIA-

Hoje foi o dia que mais profundamente, sempre recordaremos os nossos irmãos de armas falecidos.

Na página deste blogue "IN MEMORIAM", publicamos os combatentes da nossa Companhia falecidos na então Província Ultramarina de Angola, assim como de todos os que após o nosso regresso à Metrópole, tivemos conhecimento. Vamos lembra-los e recordar todos os bons momentos, que com eles passámos. Vamos sempre ter presente que nunca morreram, que apenas partiram antes de nós.

Apresentamos às suas famílias e amigos o nosso mais profundo pesar. Que descansem em paz.

João Merca

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

FALECIMENTOS NA COMPANHIA

 -NOTÍCIA-

Só agora, tivemos conhecimento do falecimento há já algum tempo, não sendo possível determinar a data, do nosso camarada de armas FRANCISCO DA GRAÇA LEONARDO, 1º. Cabo Enfermeiro Auxiliar na Secção de Saúde da nossa Companhia.
O Leonardo, revelou sempre boa formação moral e ótimas qualidades na função da sua especialidade, quer nos acampamentos por onde passou, quer no acompanhamento de várias missões operacionais.
Era natural de Loureiras, concelho de Ferreira do Zêzere e deixou-nos bem cedo. Fica aqui a recordação, dos bons momentos passados na sua companhia. Aos familiares e amigos, apresentamos o nosso profundo pesar.
Descansa em paz Leonardo e até um dia.

Texto: João Merca
Foto: Mário Tavares

domingo, 25 de outubro de 2020

O CANAGE, A PICADA E A TECNIL

 -TESTEMUNHO-

Estamos na Região Militar Leste e decorre a Operação Lance. Esta operação, consistia em dar proteção próxima e afastada aos trabalhos de construção e asfaltagem, da futura estrada entre o Lucusse e a cidade do Luso, a cargo da empresa Tecnil. Fazíamos, também, o transporte do pessoal daquela empresa no fim do dia, do local dos trabalhos ao Luso e vice-versa, excetuando os domingos e feriados, assim como, com o avanço dos mesmos pernoitarmos na picada, montando segurança à maquinaria, que à noite ali ficava.

A PORTA DE ARMAS
A foto acima publicada mostra a entrada para o nosso acampamento em bivaque, sem porta de armas, nem alguma espécie de cavalo de frisa. Chamou-se Canage a este estacionamento, por estar ao lado do rio com o mesmo nome. A Tecnil, terraplanou o terreno, não só no seu interior, como também, em uma ou duas centenas de metros à sua volta, dando-nos uma muito boa visão circundante. Protegidos à volta por uma barreira de terra, o maior perigo seria o ataque inimigo com armas de tiro curvo, excluindo completamente um possível ataque, com armas de tiro tenso.
A COZINHA
A BARREIRA AO FUNDO
Assim, vivemos em tendas cónicas, dormindo no chão sobre colchões de ar, todo o mês de Novembro de 1970 até princípios de Janeiro de 1971.
AS TENDAS CÒNICAS
Os dias passavam bastante ocupados dada a constante operacionalidade, com rendições constantes, idas e vindas ao Luso, para transportarmos o pessoal da Tecnil no fim dos trabalhos do dia e lá pernoitando, regressávamos no dia seguinte, sendo rendidos por outro grupo de combate. Salvo dois ou três patrulhamentos e creio uma operação a possível posição inimiga, a vida passava-se entre a picada e o acampamento.
A PICADA ANTES DAS OBRAS
O RIO
OS PETISCOS E COPOS
No tempo livre e como era nosso costume para esquecer o dia a seguir, para além de descansar, aproveitávamos para nos distrairmos das mais variadas maneiras. Para além da Rádio Canage com o rio ao lado, tínhamos banho e praia garantidos e à noite os petiscos e as loiras cucas e nocais. Aqui, também passámos um Natal e uma Passagem de Ano.
Claro que pelo exposto tudo isto parecia uma pasmaceira, mas nem tudo foram rosas. Tivemos alguns problemas, um bastante grave, mas isso é assunto para outro testemunho.
Hoje, sei que este local foi aproveitado para construir uma povoação, que possivelmente tem o mesmo nome.

Texto e fotos
 João Merca

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

FALECIMENTOS NO BATALHÂO

-NOTÍCIA-

Com especial referência para todos os camaradas de armas do Batalhão de Caçadores 2872, informamos que no dia 11 do corrente faleceu em sua casa aos 73 anos, vitima de possível paragem cardiorrespiratória, o irmão de armas e grande amigo MANUEL MARQUES PIMENTA, Furriel Miliciano Atirador / Minas e Armadilhas, Comandante da 2ª. Secção, do 3º. Grupo de Combate da Companhia irmã 2504.
O Manuel era natural de Alijó, Pinhão e vivia no Barreiro. O funeral realizou-se no passado dia 14 de Outubro partindo da Capela da Igreja de Santa Maria, no Barreiro, às 14H00, para o crematório da Quinta do Conde. O corpo esteve presente na capela a partir 10H00 do mesmo dia.
EM AGOSTO/2018 ASSOCIAÇÂO COMANDOS, UMA DAS MUITAS PARÓDIAS
 QUE REALIZÁMOS: A ÙTIMA FOI EM MARÇO 2020, NO GUIZADO

O Manel no comando, Neves, Merca e Pimpão.
Notícia inesperada que nos deixou em choque. Fica também aqui, a recordação dos bons momentos passados e o adeus de todos aqueles que com ele mais conviveram.

À esposa, filha, restantes familiares e amigos, apresentamos o nosso mais profundo pesar.
Descansa em paz Manel e até um dia.

João Merca

terça-feira, 6 de outubro de 2020

A VIDA NO LUNGUÉ-BUNGO...E O "CABO GULOSO"

 -TESTEMUNHO-

Lungué-Bungo, última etapa da nossa comissão de serviço em Angola. O rio com a sua ponte, o agrupamento de fuzileiros e o campo de futebol, na margem direita a sul da ponte. A "Ilha do Hipopótamo" e aquilo a que chamamos praia, a norte da ponte. Na direção de Gago Coutinho  do lado direito da estrada, no sentido Luso, Gago Coutinho, o nosso aquartelamento, a seguir à casa de negócio e habitação do senhor Fonseca, comerciante e agricultor, radicado em Angola, havia muitos anos, onde vivia com uma angolana. A mulher e os filhos, tinham regressado a Portugal, a seguir ao início da Guerra Colonial, para a cidade de Coimbra. O quimbo, em frente das nossas instalações, do lado esquerdo da estrada.

Foto de Manuel Pimenta: à direita, em primeiro plano a casa do Sr Fonseca.
A entrada do nosso aquartelamento situava-se, logo a seguir. Em frente do Quimbo


Lisboa ficava longe, 9669 Km, como podemos ver o furriel miliciano João Merca a apontar para o pilar. Era longe, mas já estava perto o dia do regresso.
Pilar da Ponte com o Furriel Miliciano Merca a indicar a distância para Lisboa
Muitos camaradas mergulhavam para a água do gradeamento superior da ponte, duma altura, que deveria rondar, entre os 10 e os 15 metros. Aventura que não me seduziu, talvez pelo perigo, talvez por medo, enfim não saltei. Outros camaradas tentaram o ski, alguns com algum sucesso, mais uma vez fiquei pelo Sku, com algumas quedas, antes de começar a skiar.
O Furriel Merca a treinar Ski ao que parece com sucesso
A praia ( 1º. Reis e os Furriéis Zé Simões, Fernando Santos e João Merca) 

O Rio e a Ilha ao fundo

A casa de comércio do senhor Fonseca (vendia tudo) era, frequentemente, palco de muitos petiscos noturnos, já que os petiscos diurnos tinham como cenário a Ilha. Na Ilha, acompanhavam-nos, nestas diversões, os militares do agrupamento de fuzileiros, aliás eram eles que nos transportavam nos botes. Estes petiscos eram sempre bem regados com "catembe", "tricofiht", "banheira" e outras misturas, com tudo o que havia para misturar.

No regresso, raras foram as vezes em que não tivemos de descer o rio ao sabor da corrente. O homem do leme, depois da confraternização, tinha alguma dificuldade em acertar com a passagem: as hélices dos botes ao passarem no meio das pedras eram destruídas por estas, nem as suplentes nos salvavam e também acabavam por se partir.

Petisco no Fonseca
Petisco na Ilha (pode ver-se a lata com a magnifica mistura)

Na retaguarda do nosso aquartelamento, dentro do perímetro de segurança a cargo da nossa companhia, estavam as instalações que serviam de residência aos trabalhadores da TECNIL e seus familiares. A TECNIL era a empresa de engenharia contratada pela JAEA - Junta Autónoma de Estradas de Angola, para efetuar a abertura da picada, com vista à construção da futura estrada Luso - Gago Coutinho, asfaltada após a nossa rendição.
Trabalhos na estrada (TECNIL)

Em frente do nosso aquartelamento ficava o "quimbo". Quando o sol se escondia na linha do horizonte e ainda pairava no ar o cheiro à terra húmida, ao longe, ecoava o som dos tambores, anunciando a presença de enfermos e curandeiros. Estes curandeiros, uma espécie de espíritas, tentavam afugentar o mal que possuía os indígenas,  debilitados pela doença: uma fogueira, um bidon com água a ferver, ramos de palma, o toque do tambor acompanhado de cânticos e exorcismo. Para afastar o mal, ia-se salpicando o paciente com a água quente (muitas vezes a ferver), até este entrar em transe. Participei algumas vezes neste ritual, acompanhado de outros camaradas, no interior do quimbo.

Raras eram as ocasiões em que no dia seguinte, não havia a festa da despedida, o doente, na maioria dos casos, acabava por falecer e voltava o som do tambor, os cânticos e nestas ocasiões o banquete. Segundo os nativos, o banquete, era para comemorar não terem sido eles a partir.

O tambor e o batuque também se faziam ouvir noutras comemorações indígenas, não haveria noite em que não tivéssemos este ritual africano.
Tambores
Fazíamos, então, proteção à “JAEA”, na construção da estrada Luso, Gago Coutinho. Nesta missão os militares que participavam na proteção tinham direito a um reforço alimentar, composto por uma sandes (pão, chouriço ou queijo) e um copo de vinho. Era entregue a um elemento do grupo de combate, escalonado para fazer esse serviço, a totalidade dos pães e do chouriço ou queijo que depois cortava e fazia as sandes no local.
Local de apoio à proteção onde era distribuído o reforço
Chegou a vez a um 1º cabo do 3º grupo de combate, a distribuição do reforço alimentar. Foi abrindo pães, colocando o chouriço e enchendo o púcaro de vinho, um a um, distribuindo pelos camaradas, a determinada altura já não tinha mais ninguém na fila a quem distribuir e ainda sobravam 3 pães, chouriço e vinho, pensou: "eh pá  hoje descuidaram-se e puseram sandes e vinho a mais", então começou a completar os pães sobrantes com o chouriço e ia comendo e bebendo, até que terminou, já muito bem fornecido. Nisto aparecem 3 camaradas que estavam na proteção e só podiam vir depois da rendição, dirigiram-se ao nosso cabo: "dá aí as nossas sandes!", - pergunta o cabo: "quais sandes?" - os militares que estavam a contar com o reforço responderam: "as que temos direito",  - retorquiu o cabo: "já as comi todas, não vieram durante a distribuição!", - o furriel que estava de serviço, ao ouvir este diálogo, interrompeu-os e exclamou: "Oh seu 'CABO GULOSO', agora, vais ficar uma semana sem comeres sandes!".

A partir deste dia ficou conhecido como o "CABO GULOSO" e ainda hoje nos almoços de confraternização é assim que é identificado.
Cabo Guloso em cima do para choque da viatura ali mesmo ao centro

O Lungué-Bungo terá sido, depois de Luanda, o local onde melhor nos sentimos e com muita "estória" para contar. É a nostalgia desse tempo, a falar, onde a guerra, ficou um pouco para trás.

A história do "CABO GULOSO" foi-me contada pelo ex-1º Cabo, Joaquim Pereira dos Santos. Obrigado Santos, pela narrativa!

Fotos de: M Pimenta, J Merca, H. de Jesus e J. Santos

F. Santos - Memórias de Angola

terça-feira, 22 de janeiro de 2018

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

LUANDA, INÍCIO DA COMISSÃO, A PESCA NA ILHA E O PETISCO...

 -TESTEMUNHO-

OS PESCADORES NA ILHA DE LUANDA EM PLENA ATIVIDADE
Ainda não tínhamos pisado, bem, solo africano, já o lema que nos guiou ao longo desta odisseia, estava presente: aproveitar ao máximo o que esta terra nos oferecia, diversão e convívio, que se transformaria numa amizade duradoura, ao longo dos anos, e que ainda hoje se mantém. 
A guerra viria um pouco lá mais para a frente. Era um prelúdio, que nem dava para pensarmos o que nos aguardava. Durou pouco tempo. No entanto, tentámos viver esse tempo, com a energia que os nossos 20 anos, nos proporcionava: desde as noitadas nas cálidas noites de Luanda, até ao saborear da boa comida angolana em bons restaurantes. Parecia que tudo o que nos acontecia, era uma maravilha, nem os muitos serviços que tínhamos de assegurar, nos perturbavam.
Acrescento, aqui, um parêntese: este grupo era privilegiado; tratava-se dum grupo de graduados.  Certamente os vários grupos de praças, também terão sabido desfrutar, à sua maneira, o que a bonita cidade de Luanda nos tinha para proporcionar.

FOTO DE: FERNANDO TEMUDO-DESFRUTANDO A PRAIA

Neste panorama “edílico”, seguimos desfrutando o melhor das nossas vidas, durante cerca de três semanas. As idas à praia da Ilha de Luanda eram um dos nossos passatempos favoritos. A praia da Ilha era mais do que podíamos ter imaginado, no entanto, faltava um pouco de atividade mais intensa. Encontrámo-la na pesca.

Juntou-se um grupo, mais ou menos, com vocação para esta atividade: peixe neste mar, não faltava. Havia que encontrar as ferramentas, necessárias, para materializar esta ideia: adquirimos um rolo de sedela (para quem não sabe do que se trata, aqui fica o significado: “linha resistente e com pouca visibilidade dentro de água a que se ata o anzol"); anzóis; umas pedrinhas que faziam de chumbada; uns pauzinhos para a ponta da sedela que se punha entre os dedos para ajudar a puxar a linha e, claro, um balde para transportar o peixe. Estava constituída a frota de pesca… À entrada a ilha encontravam-se uns miúdos que nos vendiam o engodo (casulo).

Numa destas pescarias, não me recordo se terá sido a primeira, provavelmente sim, tivemos de parar de pescar, porque o balde já estava cheio. Nunca tinha visto uma coisa assim: cada sedela tinha uns 5 anzóis, era só atirar e puxar, vinham sempre mais de três peixes em cada vez que se puxava, nem era preciso sentir o peixe picar. Eram peixinhos pequenos e achatados.

Finda a pescaria, regressamos ao Grafanil. Tínhamos de providenciar a confeção e consumo de todo este peixe. Chegámos à conclusão que a melhor solução seria fritá-lo e fazer um molho de escabeche. Precisávamos de duas frigideiras: uma para fritar o peixe e outra para fazer o molho. Eram necessários, ainda, alguns condimentos: óleo, sal e farinha para fritar o peixe; cebolas, azeite e vinagre para fazer o molho. Isto não constituiu um problema de maior, porque um dos elementos do grupo era vagomestre. Faltava a bebida: aí desafiámos mais alguns companheiros, dispostos a provar o petisco. Foram eles que providenciaram umas grades de cervejas fresquinhas. Foi farra pela noite dentro, com o pessoal sempre muito alegre.

A maioria destes militares eram furriéis, bem secundados pelo 1º sargento, da Companhia de Caçadores 2505, do Batalhão de Caçadores 2872, que serviram em Angola de maio de 1969 a junho de 1971.

A menos de um mês de chegarem a Luanda tiveram de dar por terminada a atividade de pesca na Ilha (a pesca continuou noutras paragens, mas com outras artes), já estavam nos Dembos, norte de Angola, com algumas amarguras, bastante dolorosas.
FOTO DE : ZÉ SIMÕES - OPERAÇÃO NO DANGE
F. Santos – Memórias de Angola

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

FALECIMENTOS NA COMPANHIA

-NOTÍCIA-

Tivemos conhecimento, do falecimento do nosso camarada de armas MANUEL AUGUSTO MARTINS. O Manuel Martins, era natural de Mértola, tinha a especialidade de Soldado Corneteiro, mas quase sempre desempenhou a sua comissão de serviço, na arrecadação de armamento da Companhia.

Para todos os que com ele mais conviveram, fica a recordação dos bons momentos passados.

Deixo aqui, o nosso mais profundo pesar a toda a família e amigos.

Que descanse em Paz.

João Merca

PS: Muito agradecemos esta informação, ao seu  amigo e conterrâneo Joaquim Cortes, combatente do Bat Art 3859, em Angola em 71/74. 

sábado, 12 de setembro de 2020

NUMA CAÇADA, O JIPE NÃO AGUENTOU COM O "PESO" DA CAÇA

-TESTEMUNHO- 

Viaturas usadas na caça

O Furriel miliciano Fernando Santos, com as botas a precisar de reforma, pousando para a objetiva

A guerra colonial teve muitas facetas, direi mesmo que se desenrolaram ao longo desta guerra, muitas “guerras” paralelas. Uma delas foi a luta, dentro das condições adversas duma guerra, sabermos lutar por melhores condições para desfrutarmos dos prazeres dum bom petisco, inventando formas de arranjar alguma coisa mais do que nos era oferecido: fosse passando a “perna” ao vagomestre e subtraindo alguns alimentos extra; fosse participando em caçadas.

Estávamos no Leste de Angola, na estrada que nos levava do Luso a Gago Coutinho, mais propriamente junto ao rio Canage, uma terra de ninguém, como era nosso apanágio, desde o início da comissão. Éramos a Companhia de Caçadores 2505, a mal-amada, do Batalhão de Caçadores 2872.

Nas caçadas, muitas peripécias aconteceram: desde o vagomestre ter ficado abandonado, sozinho, durante longo tempo (testemunho já aqui contado em “uma caçada que podia ter corrido mal…”; desde o rebentamento duma mina, testemunho que espero que o camarada João Merca venha a escrever sobre ele. Esta mina não se destinava a provocar estragos naquela caçada, mas para uma operação de outra unidade que se desenrolaria na semana seguinte (as consequências deste rebentamento foram: alguns feridos ligeiros; um ferido grave que recuperou depois de 20 dias em coma, entre o Hospital do Luso e o Hospital Militar de Luanda e por último o castigo de 5 dias de prisão para 1º sargento da companhia); desde de, apanhados em franco delito, termos de dividir a caça com o comandante do Batalhão. Mas isso são outras histórias.

Numa caçada, onde tivemos grande sucesso, abatemos alguns gnus, vulgo “boi cavalo”, carregámos a caça num jipe Wills. Depois de andar alguns quilómetros, devido ao “peso” da caça, mas para mim depois de passados estes anos todos, pela falta de água no radiador, começou a deitar fumo através do capot, que rapidamente se transformou numa fumaça enorme, um nevoeiro, que parecia que emanava duma fogueira.  Felizmente seguia nessa “missão” o 1º cabo mecânico, que ficou ainda mais preocupado que os restantes membros de caça, incluindo um 1º sargento e um ou dois furriéis. O cabo mecânico analisou a situação que estava a acontecer, mas a solução não era fácil. Nisto apareceu alguém do grupo, não faço ideia quem. Terá sido mesmo o cabo mecânico ou algum condutor que seguia nesta missão, com uma solução milagrosa. A solução era: mijarmos todos para o depósito do radiador. Esta solução, na falta de outra melhor, foi aceite pelos graduados e foi passada à prática. Não sei se foi uma boa solução, mas o jipe chegou até ao acampamento com todos os troféus de caça. Já não me lembro, nem faço a mínima ideia, se pelos próprios meios ou se rebocado pelo “burro do mato”.

F. Santos -Memórias de Angola

08 de agosto de 2020

sábado, 9 de maio de 2020

O NOSSO ENCONTRO ANUAL

-NOTÍCIA-
Se na vida tudo o que fosse programado, nunca sofresse alteração, hoje dia 9 de Maio teria lugar no Manjar do Marquês em Pombal o Encontro Anual da nossa Companhia. A vida não é assim, dado estar cheia de imprevistos.

Como sabem foi anteriormente decidido, que o nosso Encontro Anual, se realizaria de preferência sempre num sábado anterior, ou posterior ao dia 8 de Maio, data da nossa partida no Paquete Uíge, para a então Província Ultramarina de Angola.

Em tempo informamos todos os combatentes, familiares e amigos da nossa Companhia, que o Encontro/Convívio deste ano, já previsto e programado para hoje dia 9 de Maio, não se realizaria, dada a grave situação que o nosso país está a atravessar.

Informamos, ainda, que se oficialmente a situação pandémica não se alterar, de modo a permitir a sua realização, este nosso encontro anual só terá lugar em Maio de 2021, em moldes ainda a estabelecer. Ainda, recordámos o que ficou combinado em 2019 no Encontro do Batalhão na Anadia, que este se voltaria a encontrar em 2021, para a comemoração do 50º. Aniversário, do nosso regresso da então Província Ultramarina de Angola.

Como para já a realização deste encontro não é praticável e sendo costume no início do evento mencionarmos os nomes dos camaradas de armas falecidos, de que temos conhecimento, seguido de um minuto de silêncio, já que pessoalmente não é possível, propomos recordá-los, visitando a página no blogue IN MEMORIAM e prestando-lhes assim, uma singela homenagem de camaradagem. Aqui fica também o nosso mais profundo pesar aos seus familiares e amigos.

Até ao nosso próximo Encontro Anual e como militares que fomos, manteremos a nossa segurança e a dos outros, cumprindo como sempre as ordens, que os órgãos de soberania do país decidirem. Estou certo que vamos agora, sem “conquistar corações, vencer a luta.

Texto: João Merca

sexta-feira, 8 de maio de 2020

ANIVERSÁRIO PARTIDA ANGOLA

-NOTÍCIA-
O dia de hoje não pode ser esquecido pelos combatentes, familiares e amigos da nossa Companhia, assim como, também, os das companhias irmãs, que constituíram o Batalhão de Caçadores 2872. Foi a 8 de Maio de 1969, que o Batalhão embarcou no Paquete Uíge, para a então Província Ultramarina de Angola.

Não sei por que motivo, mas não estava com o Batalhão na partida de Santa Margarida. Esta data por mais dois meses coincidia com a data do meu vigésimo terceiro aniversário. Se ainda me recordo, saí de casa em Lisboa, ainda noite e cheguei ao Cais da Rocha pelas 06H00 para me juntar á minha Companhia, que chegou de comboio uma, ou duas horas mais tarde. Houve uma formatura geral e revista já não sei por quem. Após embarque de diverso material e distribuição de todo o pessoal pelo navio, zarpamos do Cais da Rocha, com destino a Luanda, mais ou menos pelas 12H00. A viagem durou 13 dias e foi mais demorada, pelo facto de o navio por avaria, não conseguir atingir a velocidade normal.
Ao recordar esta efeméride, que faz hoje precisamente 51 anos, não posso deixar de lembrar todos os camaradas de armas que já nos deixaram, combatentes da Companhia de Caçadores 2505, assim como das outras companhias do Batalhão de Caçadores 2872. Aqui, deixo também o meu mais profundo pesar às famílias e amigos. Que descansem em paz e até um dia.
Texto: João Merca
Fotos: A Silva e A Brandão

segunda-feira, 4 de maio de 2020

PATRULHA MOLHADA NO CAZENGA

-TESTEMUNHO-
A situação que vou testemunhar passou-se comigo e por ser tão caricata, até parece uma anedota. Vou descreve-la aqui, porque prometi faze-lo a alguns camaradas de armas. Naquele tempo, por vezes aconteciam coisas, completamente fora do que seria previsível acontecer na vida militar.

A nossa Companhia, após regresso da Operação Grande Salto, nos Dembos, já sob o comando do Batalhão, passou a prestar proteção à cidade de Luanda. Na Rede, entre outras missões, efetuávamos o patrulhamento a quase tudo que se situava entre o “arame farpado “e a área de intervenção das outras polícias, tais como a PSP, PM e PA. Esse patrulhamento incluía o Bairro do Cazenga, de considerável dimensão onde se encontrava de tudo. Ao longo das ruas não alcatroadas, erguiam-se casas térreas de melhor ou pior construção. A sua população era muito heterogénea e distribuía-se por locais de prostituição, locais onde residiam famílias que praticamente só pernoitavam, após o seu dia de trabalho na cidade e alguns locais comerciais. Tenho até conhecimento de vários militares que também ali residiam.





Decorria o mês de Janeiro e o dia começava como sempre com muito sol. As Companhias formadas e ao toque assistíamos ao hastear da Bandeira. Acabava de sair de serviço à Rede Periférica e já estava escalado com o meu pessoal para os referidos patrulhamentos. O dia corria muito bem com visitas a outros bairros, às transmissões, aeroporto etc., mas as mais apetecidas, em especial à tarde, eram as efetuadas à Cuca e Nocal, onde havia cerveja à disposição

A noite já ia alta e estávamos encetando, agora, o patrulhamento nas ruas do Cazenga e solicitando a identificação a um ou outro transeunte, acabámos por estacionar num pequeno largo, onde também existia uma árvore. Uma das ruas à nossa frente, era um local de prostituição e não me recordando, devia ser fim-de-semana dada a quantidade de pessoas que circulavam. Estacionados, uns sentados na viatura, outros apeados apreciávamos o ambiente. Este local, também era frequentado por alguns militares, uns uniformizados, outros à civil. Não sei já quem fazia parte da patrulha, mas os condutores, como era hábito poderiam ser o Gil, Proença ou o Mingachos, infelizmente já falecido. Passado algum tempo, decidi efetuar mais umas identificações, quando aconteceu um raro imprevisto.


Ao entrar no largo, um individuo apercebendo-se que estávamos ali, apressadamente dirigiu-se para a citada rua. Não obtendo resposta ao nosso chamamento e continuando a previsível fuga, iniciámos a perseguição. Seguíamos junto às casas e de repente, quase no início dessa rua abriu-se uma janela e quando me virei, levei com a água de um alguidar na  cara e no tronco. Se fosse um tiro, a minha vida acabava ali. Fiquei furibundo, berrando e exclamando impropérios, instintivamente empunhei a walther e arranquei para a porta, quase chocando com um individuo, que saia a correr ainda a apertar as calças.

Entrei de rompante pela casa dentro, onde deparei com uma mulher nua e de alguidar na mão. Gritei, berrei e nem sei o que me passou pela cabeça. Tive a intenção de a levar à PSP, para um raspanete, mas desisti dado que a mulher já tremia por todo o lado. Não faço ideia qual seria a minha expressão, mas a pessoa em causa pedia-me muitas, muitas desculpas e até me queria lavar o dólmen do camuflado e sei lá mais o quê. Subentende-se qual teria sido a utilização daquela água. Sem esgotos a água de todas as lavagens era atirada para a rua. Lembrei o Centro de Operações Especiais e a minha passagem pelos esgotos da cidade de Lamego. Afinal havia uma razão para esse exercício. Lembrei que tinha perdido qualquer tipo de nojo. Abandonada a perseguição e dado a patrulha ainda não ter acabado, somente lavei a cara e prometi a mim mesmo nunca mais passar apeado naquela rua, assim como, ao pessoal que me acompanhava, dado o risinho que ostentavam, uns servicinhos mais pesados, se a boa disposição não passasse.
Mais tarde e ainda hoje até dá para rir, mas naquela altura confesso que me apeteceu esganar a mulher.
João Merca
Fotos: João Merca e Manuel Pimenta
Obs: A foto do grupo é de outra patrulha.