segunda-feira, 4 de maio de 2020

PATRULHA MOLHADA NO CAZENGA

-TESTEMUNHO-
A situação que vou testemunhar passou-se comigo e por ser tão caricata, até parece uma anedota. Vou descreve-la aqui, porque prometi faze-lo a alguns camaradas de armas. Naquele tempo, por vezes aconteciam coisas, completamente fora do que seria previsível acontecer na vida militar.

A nossa Companhia, após regresso da Operação Grande Salto, nos Dembos, já sob o comando do Batalhão, passou a prestar proteção à cidade de Luanda. Na Rede, entre outras missões, efetuávamos o patrulhamento a quase tudo que se situava entre o “arame farpado “e a área de intervenção das outras polícias, tais como a PSP, PM e PA. Esse patrulhamento incluía o Bairro do Cazenga, de considerável dimensão onde se encontrava de tudo. Ao longo das ruas não alcatroadas, erguiam-se casas térreas de melhor ou pior construção. A sua população era muito heterogénea e distribuía-se por locais de prostituição, locais onde residiam famílias que praticamente só pernoitavam, após o seu dia de trabalho na cidade e alguns locais comerciais. Tenho até conhecimento de vários militares que também ali residiam.





Decorria o mês de Janeiro e o dia começava como sempre com muito sol. As Companhias formadas e ao toque assistíamos ao hastear da Bandeira. Acabava de sair de serviço à Rede Periférica e já estava escalado com o meu pessoal para os referidos patrulhamentos. O dia corria muito bem com visitas a outros bairros, às transmissões, aeroporto etc., mas as mais apetecidas, em especial à tarde, eram as efetuadas à Cuca e Nocal, onde havia cerveja à disposição

A noite já ia alta e estávamos encetando, agora, o patrulhamento nas ruas do Cazenga e solicitando a identificação a um ou outro transeunte, acabámos por estacionar num pequeno largo, onde também existia uma árvore. Uma das ruas à nossa frente, era um local de prostituição e não me recordando, devia ser fim-de-semana dada a quantidade de pessoas que circulavam. Estacionados, uns sentados na viatura, outros apeados apreciávamos o ambiente. Este local, também era frequentado por alguns militares, uns uniformizados, outros à civil. Não sei já quem fazia parte da patrulha, mas os condutores, como era hábito poderiam ser o Gil, Proença ou o Mingachos, infelizmente já falecido. Passado algum tempo, decidi efetuar mais umas identificações, quando aconteceu um raro imprevisto.


Ao entrar no largo, um individuo apercebendo-se que estávamos ali, apressadamente dirigiu-se para a citada rua. Não obtendo resposta ao nosso chamamento e continuando a previsível fuga, iniciámos a perseguição. Seguíamos junto às casas e de repente, quase no início dessa rua abriu-se uma janela e quando me virei, levei com a água de um alguidar na  cara e no tronco. Se fosse um tiro, a minha vida acabava ali. Fiquei furibundo, berrando e exclamando impropérios, instintivamente empunhei a walther e arranquei para a porta, quase chocando com um individuo, que saia a correr ainda a apertar as calças.

Entrei de rompante pela casa dentro, onde deparei com uma mulher nua e de alguidar na mão. Gritei, berrei e nem sei o que me passou pela cabeça. Tive a intenção de a levar à PSP, para um raspanete, mas desisti dado que a mulher já tremia por todo o lado. Não faço ideia qual seria a minha expressão, mas a pessoa em causa pedia-me muitas, muitas desculpas e até me queria lavar o dólmen do camuflado e sei lá mais o quê. Subentende-se qual teria sido a utilização daquela água. Sem esgotos a água de todas as lavagens era atirada para a rua. Lembrei o Centro de Operações Especiais e a minha passagem pelos esgotos da cidade de Lamego. Afinal havia uma razão para esse exercício. Lembrei que tinha perdido qualquer tipo de nojo. Abandonada a perseguição e dado a patrulha ainda não ter acabado, somente lavei a cara e prometi a mim mesmo nunca mais passar apeado naquela rua, assim como, ao pessoal que me acompanhava, dado o risinho que ostentavam, uns servicinhos mais pesados, se a boa disposição não passasse.
Mais tarde e ainda hoje até dá para rir, mas naquela altura confesso que me apeteceu esganar a mulher.
João Merca
Fotos: João Merca e Manuel Pimenta
Obs: A foto do grupo é de outra patrulha.

2 comentários:

  1. Caro camarada e amigo!
    Em relação ao testemunho, já o tinha ouvido de viva voz, mas contado com mais sal e pimenta. Os ingredientes do alguidar seriam só água suja?
    Na tua formação nos Rangers de Lamego, como Furriel Miliciano de Operações Especiais, nunca o IN te foi apresentado com estas roupagens. Só aprendestes com a experiência.
    Um forte abraço!

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    1. Caro Fernando
      Só posso dizer, que por tudo o que passámos, esta, foi uma daquela situações inesperadas e mito caricata
      Abraço Amigo

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