sexta-feira, 25 de setembro de 2020

LUANDA, INÍCIO DA COMISSÃO, A PESCA NA ILHA E O PETISCO...

 -TESTEMUNHO-

OS PESCADORES NA ILHA DE LUANDA EM PLENA ATIVIDADE
Ainda não tínhamos pisado, bem, solo africano, já o lema que nos guiou ao longo desta odisseia, estava presente: aproveitar ao máximo o que esta terra nos oferecia, diversão e convívio, que se transformaria numa amizade duradoura, ao longo dos anos, e que ainda hoje se mantém. 
A guerra viria um pouco lá mais para a frente. Era um prelúdio, que nem dava para pensarmos o que nos aguardava. Durou pouco tempo. No entanto, tentámos viver esse tempo, com a energia que os nossos 20 anos, nos proporcionava: desde as noitadas nas cálidas noites de Luanda, até ao saborear da boa comida angolana em bons restaurantes. Parecia que tudo o que nos acontecia, era uma maravilha, nem os muitos serviços que tínhamos de assegurar, nos perturbavam.
Acrescento, aqui, um parêntese: este grupo era privilegiado; tratava-se dum grupo de graduados.  Certamente os vários grupos de praças, também terão sabido desfrutar, à sua maneira, o que a bonita cidade de Luanda nos tinha para proporcionar.

FOTO DE: FERNANDO TEMUDO-DESFRUTANDO A PRAIA

Neste panorama “edílico”, seguimos desfrutando o melhor das nossas vidas, durante cerca de três semanas. As idas à praia da Ilha de Luanda eram um dos nossos passatempos favoritos. A praia da Ilha era mais do que podíamos ter imaginado, no entanto, faltava um pouco de atividade mais intensa. Encontrámo-la na pesca.

Juntou-se um grupo, mais ou menos, com vocação para esta atividade: peixe neste mar, não faltava. Havia que encontrar as ferramentas, necessárias, para materializar esta ideia: adquirimos um rolo de sedela (para quem não sabe do que se trata, aqui fica o significado: “linha resistente e com pouca visibilidade dentro de água a que se ata o anzol"); anzóis; umas pedrinhas que faziam de chumbada; uns pauzinhos para a ponta da sedela que se punha entre os dedos para ajudar a puxar a linha e, claro, um balde para transportar o peixe. Estava constituída a frota de pesca… À entrada a ilha encontravam-se uns miúdos que nos vendiam o engodo (casulo).

Numa destas pescarias, não me recordo se terá sido a primeira, provavelmente sim, tivemos de parar de pescar, porque o balde já estava cheio. Nunca tinha visto uma coisa assim: cada sedela tinha uns 5 anzóis, era só atirar e puxar, vinham sempre mais de três peixes em cada vez que se puxava, nem era preciso sentir o peixe picar. Eram peixinhos pequenos e achatados.

Finda a pescaria, regressamos ao Grafanil. Tínhamos de providenciar a confeção e consumo de todo este peixe. Chegámos à conclusão que a melhor solução seria fritá-lo e fazer um molho de escabeche. Precisávamos de duas frigideiras: uma para fritar o peixe e outra para fazer o molho. Eram necessários, ainda, alguns condimentos: óleo, sal e farinha para fritar o peixe; cebolas, azeite e vinagre para fazer o molho. Isto não constituiu um problema de maior, porque um dos elementos do grupo era vagomestre. Faltava a bebida: aí desafiámos mais alguns companheiros, dispostos a provar o petisco. Foram eles que providenciaram umas grades de cervejas fresquinhas. Foi farra pela noite dentro, com o pessoal sempre muito alegre.

A maioria destes militares eram furriéis, bem secundados pelo 1º sargento, da Companhia de Caçadores 2505, do Batalhão de Caçadores 2872, que serviram em Angola de maio de 1969 a junho de 1971.

A menos de um mês de chegarem a Luanda tiveram de dar por terminada a atividade de pesca na Ilha (a pesca continuou noutras paragens, mas com outras artes), já estavam nos Dembos, norte de Angola, com algumas amarguras, bastante dolorosas.
FOTO DE : ZÉ SIMÕES - OPERAÇÃO NO DANGE
F. Santos – Memórias de Angola

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

FALECIMENTOS NA COMPANHIA

-NOTÍCIA-

Tivemos conhecimento, do falecimento do nosso camarada de armas MANUEL AUGUSTO MARTINS. O Manuel Martins, era natural de Mértola, tinha a especialidade de Soldado Corneteiro, mas quase sempre desempenhou a sua comissão de serviço, na arrecadação de armamento da Companhia.

Para todos os que com ele mais conviveram, fica a recordação dos bons momentos passados.

Deixo aqui, o nosso mais profundo pesar a toda a família e amigos.

Que descanse em Paz.

João Merca

PS: Muito agradecemos esta informação, ao seu  amigo e conterrâneo Joaquim Cortes, combatente do Bat Art 3859, em Angola em 71/74. 

sábado, 12 de setembro de 2020

NUMA CAÇADA, O JIPE NÃO AGUENTOU COM O "PESO" DA CAÇA

-TESTEMUNHO- 

Viaturas usadas na caça

O Furriel miliciano Fernando Santos, com as botas a precisar de reforma, pousando para a objetiva

A guerra colonial teve muitas facetas, direi mesmo que se desenrolaram ao longo desta guerra, muitas “guerras” paralelas. Uma delas foi a luta, dentro das condições adversas duma guerra, sabermos lutar por melhores condições para desfrutarmos dos prazeres dum bom petisco, inventando formas de arranjar alguma coisa mais do que nos era oferecido: fosse passando a “perna” ao vagomestre e subtraindo alguns alimentos extra; fosse participando em caçadas.

Estávamos no Leste de Angola, na estrada que nos levava do Luso a Gago Coutinho, mais propriamente junto ao rio Canage, uma terra de ninguém, como era nosso apanágio, desde o início da comissão. Éramos a Companhia de Caçadores 2505, a mal-amada, do Batalhão de Caçadores 2872.

Nas caçadas, muitas peripécias aconteceram: desde o vagomestre ter ficado abandonado, sozinho, durante longo tempo (testemunho já aqui contado em “uma caçada que podia ter corrido mal…”; desde o rebentamento duma mina, testemunho que espero que o camarada João Merca venha a escrever sobre ele. Esta mina não se destinava a provocar estragos naquela caçada, mas para uma operação de outra unidade que se desenrolaria na semana seguinte (as consequências deste rebentamento foram: alguns feridos ligeiros; um ferido grave que recuperou depois de 20 dias em coma, entre o Hospital do Luso e o Hospital Militar de Luanda e por último o castigo de 5 dias de prisão para 1º sargento da companhia); desde de, apanhados em franco delito, termos de dividir a caça com o comandante do Batalhão. Mas isso são outras histórias.

Numa caçada, onde tivemos grande sucesso, abatemos alguns gnus, vulgo “boi cavalo”, carregámos a caça num jipe Wills. Depois de andar alguns quilómetros, devido ao “peso” da caça, mas para mim depois de passados estes anos todos, pela falta de água no radiador, começou a deitar fumo através do capot, que rapidamente se transformou numa fumaça enorme, um nevoeiro, que parecia que emanava duma fogueira.  Felizmente seguia nessa “missão” o 1º cabo mecânico, que ficou ainda mais preocupado que os restantes membros de caça, incluindo um 1º sargento e um ou dois furriéis. O cabo mecânico analisou a situação que estava a acontecer, mas a solução não era fácil. Nisto apareceu alguém do grupo, não faço ideia quem. Terá sido mesmo o cabo mecânico ou algum condutor que seguia nesta missão, com uma solução milagrosa. A solução era: mijarmos todos para o depósito do radiador. Esta solução, na falta de outra melhor, foi aceite pelos graduados e foi passada à prática. Não sei se foi uma boa solução, mas o jipe chegou até ao acampamento com todos os troféus de caça. Já não me lembro, nem faço a mínima ideia, se pelos próprios meios ou se rebocado pelo “burro do mato”.

F. Santos -Memórias de Angola

08 de agosto de 2020