quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A SORTE ESTEVE DO NOSSO LADO

A comissão de serviço na então Província Ultramarina de Angola, estava a aproximar-se do fim. Estávamos num local denominado Canage, onde tínhamos levantado um acampamento provisório.

A nossa missão era a de efectuar protecção próxima aos trabalhos de construção e posterior asfaltagem da estrada que pretendia ligar a cidade do Luso a Gago Coutinho. Também em complemento da protecção próxima, efetuávamos uma protecção afastada com a realização de operações de 3 a  4 dias patrulhando, reconhecendo, efectuando escoltas a colunas de reabastecimento ou outras e até se necessário ir a objectivos indicados pelo oficial de operações do Batalhão.


A engenharia levantou uma barreira da altura mais ou menos de um homem à volta do acampamento e em forma de quadrado para essencialmente proteger-nos de possíveis ataques, com armas de tiro tenso. A savana à volta do acampamento também foi aplanada, alargando assim o nosso campo de visão.


Após esta introdução com a nossa localização, vamos passar ao testemunho do que aconteceu.

Dado o tempo, já quase ultrapassado, que algumas granadas utilizadas na bazuca e morteirete e por estarem quase fora de prazo, tinham de ser inutilizadas. Desta vez, até nem se tratava de um exercício de tiro, para armas de tiro curvo, com a finalidade de treinar pontaria. Normalmente a bazuca e o dilagrama eram as armas utilizadas pelo Piçarra enquanto o morteirete quase sempre pertencia ao Baião.

Pretendia-se numa das extremidades mais afastada do centro do acampamento, disparar estas armas por cima da barreira que nos protegia e assim inutilizarmos as munições que estavam quase fora de prazo.


Já tínhamos muitos meses de comissão. Facilitismo? Não sei. O que sei é que se a granada, passasse mais um metro abaixo, ao rebentar na barreira, iria ferir, se não matar, alguns camaradas que estavam mais próximo. Quase ninguém se apercebeu do perigo por estarem a olhar para mais longe. Também, eramos novos de idade e estas situações por vezes passavam-nos ao lado. Já não recordo tudo, mas lembro-me de ter questionado o homem da bazuca. “ Atenção pá! Eleva o ângulo de tiro! Essa passou muito perto da barreira! Olha lá essa mer….!” “É o que tenho estado a fazer.” Foi a resposta do homem da bazuca.



A coisa ficou por aqui, mas tenho a certeza do que naquela altura vi, dado estar focado a tirar fotografias e estar no enfiamento da cena. Costumo sempre dizer, que de entre muitas outras razões, inclusive o treino militar que tivemos, a sorte acompanhou-nos, estando sempre do nosso lado.


Estava muito próximo e poderia ser um dos atingidos, juntamente com outros camaradas que assistiam e também estavam perto. Claro que esta situação foi um motivo para à noite comentar com alguns camaradas graduados, que pouca importância deram ao caso e festejar com umas bem aviadas “bejecas”, pois a minha teoria de um dia de cada vez, estava a resultar e este dia já tinha passado.


Claro que estivemos muito perto de sofrer um acidente, numa das vezes que se disparou a bazuca, dado que tudo o resto correu bem. Penso que o que se passou foi assim: O municiador, que já não me lembro quem era, colocou a granada na parte traseira da bazuca e após efectuar as ligações, dá como pronta a função e bate duas vezes com a mão na cabeça do apontador. Após receber o ok do municiador o apontador de imediato disparou. O ok com as duas palmadinhas e dado o acto continuo de disparar, deve ter motivado o abaixamento da boca da bazuca, fazendo com que desta vez a granada passa-se mais perto, do cume da citada barreira de protecção. O fotógrafo estava lá, pois caso não estivesse, talvez, não narrasse este testemunho.

A sorte mais uma vez nos protegeu, sendo nós audazes ou não. 
     
JM       

Sem comentários:

Enviar um comentário