domingo, 18 de outubro de 2015

"FESTIVAL DA CANÇÃO DO DANGE 1969"

-TESTEMUNHO-

Na Messe de Sargentos, havia um gira-discos e várias dezenas de discos. O nosso tempo, nos intervalos entre operações, patrulhamentos e missões às fazendas Maria Fernanda e Maria Manuela, uns ouviam música, outros dividiam-se entre a música e a “batota” ou jogavam simplesmente às cartas, sempre na companhia das inevitáveis bebidas, que não faltavam no nosso Bar. Assim passávamos o tempo até altas horas.

BAR DA MESSE DE SARGENTOS NO DANGE
Certa noite, ouvindo música, decidimos fazer um “Festival da Canção”, não me lembro de quem foi a ideia, talvez tenha sido do Whisky! Escolhemos cerca de 20 canções, fomos ouvindo uma a uma, durante mais de 1 hora. Passámos à votação, cada um votava na sua canção preferida. Quando chegou a vez do Furriel Zé Simões, verificámos que se encontravam empatadas 3 canções “Non Ho L’Eta” (vencedora do Festival Eurovisão da Canção 1964) de “Gigliola Cinquetti,  “When a Man Loves a Woman” (canção de 1966) de “Percy Sledge” e  "Monia" (canção de 1968) de Peter Holm.

Contávamos, nessa noite, com a presença de uma figura ilustre que nos visitava com alguma regularidade, em serviço ou por amizade, o Doutor Abílio Mendes. Antes de continuarmos o nosso testemunho, convém falar um pouco, quem era o Doutor Abílio Mendes: alferes médico, que ao contrário da maioria dos oficiais médicos (colocados nas cidades ou nos hospitais militares), não beneficiava dos favores dos Altos Comandos; destacado na região dos Dembos (a menos de 4 KM do nosso acampamento), numa zona onde só havia mato; fazia parte da Companhia de Cavalaria “Os Centauros” estacionada junto à Ponte do Dange; gostava de confraternizar com os furriéis e sargentos da nossa companhia; visitava-nos com alguma frequência, e, a qualquer pretexto ali pernoitava; gostava do seu whisky; tinha um compleição gorducha e estava sempre bem disposto; era irmão do músico Carlos Mendes, que formara com Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, Fernando Chaby e Jorge Barreto, “Os Sheiks”  (apelidados na altura de “Beatles Portugueses”).

Agora que já sabemos quem era o nosso convidado especial, vamos continuar o nosso testemunho. Enquanto o Furriel Zé Simões tentava justificar a sua escolha, com argumentos que mais pareciam uma declaração de voto, o nosso Doutor interrompia-o com esta frase “Eh pá põe lá os Sheiks”, o Zé Simões tinha de voltar ao princípio na sua argumentação, isto aconteceu não sei quantas vezes, sempre com a mesma frase “Eh pá põe lá os Sheiks”,… finalmente terminámos a votação, e foi declarada como grande vencedora a canção “Non Ho L’Eta” de “Gigliola Cinquetti”. Esqueci por completo o que terá dito, o Furriel Zé Simões para justificar a sua escolha.

Depois de Sanremo - Itália e Copenhaga - Dinamarca, era agora a vez do Dange – Dembos/Angola, o terceiro “Festival”, em que esta canção triunfava. Como estava “regulamentado” e previamente combinado, a canção vencedora voltaria ao “palco” para receber os aplausos do público (que éramos todos nós), mas lá vinha a voz arrastada do nosso médico, já bem aviado com Whisky, “Eh pá põe lá os Sheiks”,… escusado será dizer que tivemos de ouvir durante a noite, aquele conjunto, várias vezes.

Terminado o serão, alguns amigos furriéis, que a esta distância de 46 anos, não me recordo quem foram, “transportaram” o amigo médico até aos aposentos do 1º Sargento Fernando Reis, onde pernoitou…

Chegou assim ao fim o “Festival da Canção do Dange 1969”. Se alguém se lembrar de outros pormenores deste ou de outros acontecimentos, pode fazê-lo nos comentários ou de preferência em novo testemunho.

LOCAL ONDE SE REALIZOU O "FESTIVAL DA CANÇÃO DO DANGE 1969"
Texto: Fernando Santos

5 comentários:

  1. Transcrevemos na íntegra o comentário do nosso camarada de armas F Santos, que acompanhou este testemunho:

    Olá Amigo

    Para contrariar algumas das nossas desventuras, também tínhamos coisas divertidas e até com alguma piada!

    Estou a enviar-te este testemunho, aguardando os contributos de outros companheiros, tanto em comentários, como em novos testemunhos!

    Um abraço amigo

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  2. Este testemunho dedico-o ao nosso amigo, Dr. Abílio Mendes, infelizmente já não se encontra entre nós!

    Era um grande amigo do pessoal!
    FS

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  3. Se bem conheço o Zé a sua votação nunca seria a que foi, dado apreciar muito a música italiana. Penso que teria escolhido a nossa Nada (a mulher da voz rouca) possivelmente no tema "Ma Che Freddo Fa" ou a Caterina Caselli e "Arrivederci Amore Ciao). Já não me lembro, mas nessa altura terei votado nos Procol Harum no tema Whiter Shade Of Pale.

    Quanto ao nosso médico emprestado, A Mendes, passei com ele um episódio, que mais tarde testemunharei. Foi um bom amigo, ajudando-nos, também, com as suas palavras, inúmeras vezes em horas muito difíceis.

    Aquele Abraço
    JM.

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  4. Lembro-me da "estória" a espaços, mas outras vezes houve, em que vinha com o Dr.,um alferes de nome.......Lopes e um soldado que era nem mais nem menos que o Lopes Júnior,Caboverdiano, viola dos "EKOS", conjunto dos anos 60 e havia sessão de fados.
    Abraço

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  5. Zé Simões, aqui está uma passagem do "Blogue Guedelhudos":
    "Vestidos "à Beatle" de "Love Me Do", os Ekos ganharam a 5ª eliminatória do Concurso Yé-Yé, realizada no dia 25 de Setembro de 1965, no Teatro Monumental, em Lisboa.
    "João Camilo Lopes Junior, 19 anos, viola-solo, Joka Santos, 21 anos, viola-ritmo, António Vieira, 20 anos, viola-baixo, e José Luís, 19 anos, vocalista."

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