sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

PASSARINHOS NA MUTAMBA

-TESTEMUNHO-


Os passarinhos, ou uma noite passada entre Grafanil - Luanda -Grafanil, com algumas peripécias pelo meio.
(Na guerra também havia diversão)

CAMPO MILITAR DO GRAFANIL, 1970 ( ARQUIVO DIGITAL GRAFANIL-LUANDA)
Nos aposentos dos sargentos do Grafanil, num dos quartos, o 1º sargento Fernando Reis e o furriel miliciano Fernando Santos, jogavam uma partida de "crapô" (espécie de paciência, disputado por dois jogadores, com dois baralhos de 52 cartas), seria muito próximo da meia noite. Nisto entra de rampante o furriel miliciano Vitorino Rodrigues.  A partida foi interrompida e o Rodrigues diz em tom de gabarolice: "eh pá vocês nem sabem, comi uns passarinhos fritos numa tasquinha ali próxima da Mutamba (baixa de Luanda), que nem queiram saber!"

O 1º  SARGENTO FERNANDO REIS À ESQUERDA E O
 FURRIEL MILICIANO FERNANDO SANTOS À DIREITA
 JOGAVAM UMA PARTIDA DE CRAPÔ
O 1º Reis, para quem o conhece, sabe bem que petiscos, era com ele, diz logo: "Vamos lá comer esses passarinhos e beber umas cervejinhas". O Vitorino diz que não pode ser, que vai entrar de serviço de Sargento dia ao Batalhão, às 8 horas da manhã. O Reis não desarma, secundado pelo Santos, diz: "estás com medo de não conseguires estar aqui a horas para entrares de serviço? Diz o Santos, "vamos lá". O Vitorino depois de alguma insistência, responde: "então vamos". E fomos, no último "machimbombo militar" (autocarro) da noite, que fazia a carreira Grafanil-Luanda.

MUTAMBA ANOS 60 (TERMINAL DE TRANSPORTES)
Chegados à tasquinha, ali numa travessa entre a Mutamba e a Portugália, fomos encaminhados para um reservado. Pedimos 2 cervejas cada um e uma dúzia de passarinhos fritos (diz o Vitorino que o Santos devia estar com tanta fome que comeu logo metade, o que eu não me recordo, nem acredito!).

Durante o repasto, fizemos algumas viagens até à casa de banho, que ficava ali mesmo ao lado. A dada altura, lembro-me de ter olhado para o canto da salinha e visualizei, amontoadas dezenas de garrafas de cerveja vazias. Terminámos por volta das 5 horas da manhã, porque a tasquinha fechava a essa hora. Já bem aviados, parámos na rua, o 1º Reis volta-se para nós e pergunta: "e agora onde vamos?", responde de pronto o Vitorino: "vamos ao Rex", diz de imediato o Reis: "eu não gosto de maricas!", esclarece o Santos: "oh Reis, o Rex é um bar noturno!", então o Reis, compreensivo concorda: "ah assim vamos lá! Vamos ao strip-tease?", o Vitorino que tinha sempre a resposta pronta disse: "para o strip-tease, é melhor no Maxime". Passamos pelo Rex, pelo Maxime e talvez por mais algum! (Pedi ajuda ao Furriel miliciano João Merca e ele recordou-me mais três bares: Gôndola ( da Zé), o  007 (da Ju) e o Texas Bar ( da Manuela).

Mas o Vitorino tinha de entrar de "Sargento Dia", pelas 8 da manhã, transportes não havia aquela hora, mesmo que houvesse, estávamos noutra, então, iniciámos o percurso de regresso a pé para o Grafanil: subimos até à Maria da Fonte; Avenida dos Combatentes e tomámos o rumo da estrada de Catete, ali bem perto, fomos encontrar uma tasca ainda aberta: encontravam-se na tasca, alguns resistentes da noite, bebendo, conversando e discutindo. Bebemos mais umas aguardentes, que não pagamos, porque os nossos companheiros ocasionais não nos deixaram pagar.

Tínhamos ainda que percorrer alguns quilómetros até ao Grafanil, dois metros para a frente, parávamos para fazer uma reunião, não sei quantas fizemos, nem me lembro o que discutíamos. O Vitorino estragava logo as reuniões e não chegávamos a conclusões. Dizia o Reis para ele já irritado: "'porra', por causa da 'merda' dum serviço temos de ir a correr!"  O Vitorino tinha de entrar de serviço e ainda queria conviver mais um ano connosco (a falta a um serviço no batalhão, provavelmente, daria uma pena de prisão e transferência de companhia)! E apressou-nos.

Chegámos mesmo a tempo do Vitorino mudar de roupa e ir ter à parada para a rendição. O Reis e o Santos, ainda foram tomar um banho fresco e dormiram até à hora do jantar (almoço para quê?). Se não fosse a "porcaria" do serviço de Sargento Dia, teríamos ido até à Ilha de Luanda, tomar um banho de mar na praia, ver o nascer do sol ao raiar da aurora e talvez dormir na areia.

À DIREITA O VITORINO (ESTAVA DE SARGENTO DIA, MAS EM NAMBUANGONGO)
À ESQUERDA, O SANTOS E AO CENTRO O 2º SARGENTO BRAGA, "O PISTOLEIRO"
F. Santos -  Memórias de Angola

3 comentários:

  1. Lembro-me bem dessa tasca na minha última noite em Luanda antes do regresso também aí fui mas passarinhos nem vê-los corremos quase Luanda inteira e acabamos por vir comer tostas mistas num bar ou restaurante do BPA,já era manhã foi uma corrida até ao aeroporto para regressar mesmo assim ainda me ficaram 500 paus na algibeira.

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    1. Vocês não tiveram passarinhos, mas tiveram uma coisa que nós não tivemos, a viagem de regresso de avião! Também não se divertiram como nós naquela e noutras noites! Ou talvez sim!!!

      FS

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  2. Caro Fernando
    Tive conhecimento desta “estória”, somente num dos nossos convívios anuais e se não me engano, na viagem de regresso a Lisboa, quando tu e o Vitorino com muito divertimento a contaram.
    Tens razão o 1º Reis, agora capitão na situação de reforma, é um grande “camaradão” sempre pronto para nos acompanhar no petisco. O chucrute e a elaboração do “catembe” (bebida que tudo levava e era por todos consumida de uma lata de dimensão razoável), eram duas das suas especialidades.
    De todas as memórias do nosso passado militar prefiro estas às da guerrilha. Continua…
    Aquele Abraço Amigo

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