sexta-feira, 9 de março de 2012

QUARTEL TANCOS-CASAL DO POTE - A MINA


Agora para frequentar o Curso de Minas e Armadilhas. Andava mesmo com azar.

Como tinha o curso de Formação de Serralheiro podia ter ido para Mecânico mas não fui. Como tinha o curso de Especialização de Desenhador Industrial podia ir para a Engenharia quem sabe Desenhador, também não fui. Como trabalhava nos Telefones, podia ter ido para transmissões mas não fui. Sem padrinhos, fui para Atirador e agora o Curso de Minas e Armadilhas. Mas tudo bem, vamos a eles.

O director do curso era o Capitão Grilo. As aulas iam decorrendo sem grandes percalços.

A margem não é larga. Só se erram duas vezes: a primeira e a última. Todo o cuidado é pouco. O risco é iminente.

É obrigatório gritar bem alto, três vezes a palavra Fogo, sempre que se “explode” algo. A obrigação dos outros é “esconder “e aguardar.

Por vezes ouvia-se, Fogo Fogo Fogo a todo o momento, em diversas direcções. Era o pessoal treinando.Uma mão cheia de pregos de aço, um petardo no meio, fita isoladora á volta, um detonador com um bocado de cordão, e era suficiente para fazer uma granada improvisada de efeitos devastadores. Os mais audazes, sabendo que o cordão lento ardia á velocidade de um centímetro por segundo, podiam arriscar mais cortando menos.

Certo dia um incauto foi espreitar o porquê de uma granada de fumos ter falhado depois de activada. Além de chamuscado ia ficando cego, pois não se toleram deslizes.

Para não alongar e no que me diz respeito, recordo o dia em que fiz prova das minhas capacidades de montagem e simulação. Calhou-me uma Mina Portuguesa. Era composta por cerca de 100 a 150 bocados de verguinha de ferro da construção civil, com um centímetro e meio de comprimento e um pequeno petardo de trotil “TNT”. Tudo dentro de uma caixa de chapa, semelhante às usadas na costura pelas nossas avós, envoltos em cera derretida para não “chocalhar”.

Era altura das chuvas, o terreno estava ensopado. Sozinho, com o capacete de ferro “tipo nazi” bem apertado no queixo conforme o exigido, analisei o terreno em volta, meti a mina de lado e “mãos á obra”,comecei a abrir o buraco. Quando feito, reparo que exagerei no tamanho. Aterrei um pouco, meti a Mina, e á sua volta ataquei com as pedras “seixos” que tinha retirado. “Reconstruí” a paisagem por cima e ao redor, estendi o arame de tropeçar, rosquei a espoleta, atei-lhe o arame, com mil cuidados afastei-me, dando por concluída a montagem. Depois falei bem alto! Trabalho concluído meu furriel.

Ok. Vamos lá todos verificar a montagem do Pimenta.

Está frio, está morno, está quente. Era assim que dávamos as indicações para controlar o avanço dos camaradas. Por vezes mandava parar o pessoal; é que bastava pestanejar e parecia que o maldito fio camuflado desaparecia na vegetação mas como estava a ser observado não podia olhar directamente, senão a Mina era logo descoberta. Depois de disfarçadamente confirmar, mandava avançar. Até que…Atenção! Agora Está a Ferver.

Formados em “U”, dizia o furriel: Muito bem, um belo serviço. Meus senhores agora afastar. Como de costume, é o próprio instalador que puxa o arame em vez de tropeçar.

Certíssimo. Sou neste caso quem puxa o arame, quero pois “estourar” a Minha Mina.

Éramos um trio de amigos quase inseparáveis, os dois Simões e Eu. Por agora ficava ali para, com calma, dar tempo aos que se aproximaram do lado direito do arame, se escondam do lado direito, e os do lado esquerdo, no lado esquerdo. Sempre foi assim.

Inexplicavelmente, um dos Simões corre, esquecendo-se que estava de um lado, e quis juntar-se ao Zé Simões do outro.

CUIDADO! Alguém gritou. Tentei lançar-me ao chão quando, de imediato a explosão. Seguiu-se o silêncio. Senti um calor enorme no rosto, o meu capacete desapareceu, não sentia a cara, pus a mão e ficou cheia de terra ensanguentada. Os colegas todos no chão. Levanta-se um gritando estou cego estou cego, a seguir outro deitando sangue pelo pescoço às golfadas, um terceiro de capacete na mão corria direito ao quartel. De seguida apareceu de carro o capitão Grilo. Andava perto e ouvindo o grito seguido da explosão suspeitou que algo de grave tinha acontecido.

Entramos no carro e lembro-me de não ter coragem de me olhar no espelho retrovisor. Não devo ter a metade do lado direito. Via o sangue nos outros. O capitão ralhava. Ao fim de algumas tentativas e de um camarada me garantir que tudo estava bem, olhei finalmente. Foi um alívio. Fiquei feliz. Apesar do sangue, vi que tinha nariz, orelha e tudo, só estava dormente. Não ganhei para o susto. A cerca de três metros de distância, se aqui estou descrevendo o sucedido penso que se deve talvez, á fraca potência da Mina e às pedras que “ataquei” de volta, que impediu a projecção dos “estilhaços”. Levados para o quartel dos Paraquedistas de Tancos comecei aí a fazer a extracção de objectos estranhos á caróla.

O problema agora, vai ser chegar a casa, e “dar a volta” para enganar os meus Pais quando virem o meu estado. Mais experiente, depois de me ouvir, o meu Pai chamou-me de lado e diz-me: confessa lá a verdade.


Mesmo assim recebi o crachá Argúcia e Audácia desaparecido em combate, e o diploma como a foto demonstra.




Para que tu meu amigo, não julgues que fiquei a partir de agora com um parafuso a menos, Eu te digo: Estás muito enganado. É que acabei a guerra com dois parafusos a mais.~

M Pimenta

4 comentários:

  1. Conheço este acontecimento há já algum tempo, pelo que se me oferece comentar que o J Simões, que não despoletou este acidente, não é mais nem menos que o meu amigo Zé Simões da nossa Cia. Ele e o M Pimenta foram camaradas no mesmo curso de Minas E Armadilhas.
    Felizmente todos saíram bem, pois poderia ter sido muito pior.
    A título de graça, resta-me comentar que os dois parafusos a mais que do M Pimenta, não estão na cabeça, mas sim num braço que fracturou, num acidente em serviço, pelo que foi evacuado. POIS!

    JM

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    1. Está claro no texto do Pimenta que não foi o Zé Simões que despoletou a mina, mas sim o outro Simões que se quis juntar ao Zé, e depreende-se que tropeçou.
      Parece-me que o Pimenta em nenhum momento se refere a um J Simões.
      FS.

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  2. Caro Fernando

    Realmente trata-se de um pequeno erro da minha parte, pois em nenhuma parte do texto é referido o nome de J Simões.
    Uma das intenções do meu comentário, para além de brincar com o Pimenta, dirigia-se a todos os seguidores do blogue menos informados, pois o "Zé Simões" indicado neste post é o meu amigo José Manuel Simões, da nossa Cia, dado que somente Zé Simões podem existir muitos.

    Aquele Abraço
    jM

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  3. Frequentei este curso na EPE de Tancos. em 1965- Diziam as más línguas que foi o último curso sem acidentes. Pois não se pode errar 2 vezes, pois à 2ª é de vez, Estes curso naquela altura era ministrados para Aspirantes Milicianos e Cabos Milicianos

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