terça-feira, 10 de junho de 2014

XXXVII - CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

-FARDA OU FARDO?-
Não demoraram 15 minutos quando o Capitão Santana me procura e me diz: “eh pá, oh Mota, você tinha razão. Os Dragões rebelaram-se e agora sobrou para nós! Vamos começar a ‘alinhar’ nas escoltas para o Dala e Buçaco, que estavam a cargo deles. Acabei agora de receber um telefonema do Comando de Setor. Começamos já amanhã”.
QUARTEL DOS DRAGÕES - LUSO
Venho logo depois a saber o que tinha ocorrido: o Soldado abatido estava de serviço, drogado com liamba, o que era muito comum com os nativos naquela altura, e dizia que se ia embora para casa. O Furriel dizia-lhe: “pá, não podes sair da Unidade, só amanhã, depois do Render da Parada. Conheces as regras militares. Eu não te posso deixar sair”. O rapaz, talvez toldado pela dopagem, resolveu sair mesmo. E vai daí, o Furriel resolveu levar o caso até ao extremo, servindo-se do que o Regulamento Militar determina e lhe permite. Soube, já muito mais tarde, em Luanda, que ele tinha sido julgado em Tribunal Militar e … foi absolvido.

Mas, no entretanto, as coisas complicaram-se dentro da Unidade. Os Soldados, nativos na sua quase totalidade, não tinham arma distribuída. E foi o que salvou a situação. Levantavam-na na Arrecadação de Material de Guerra do Quartel sempre que saíam para um serviço. A rajada de arma pesada que eu tinha ouvido quando encostado ao muro foi disparada por um 2º Sargento, branco, para evitar que eles concretizassem uma tentativa de assalto a essa arrecadação, pois diziam que iam matar todos os Graduados do Quartel. Acresce que esse rapaz tinha um irmão também lá colocado, o que ajudava a aumentar a efervescência. O Furriel teve que fugir pela parte de trás, saltando o muro junto ao Campo de Futebol (que é visível na fotografia).

O Aquartelamento foi entretanto ocupado pelos Comandos, o pessoal foi todo transferido de imediato e a Unidade foi reativada com tropa fresca, provinda de outros pontos da RMA.

À tardinha, ao chegar a “minha” casa, contígua ao edifício do Comando, depara-se-me um espetáculo deprimente, pela impotência da multidão “fardada” que pedia “justiça” junto do Brigadeiro Bettencourt Rodrigues e a postura militarista deste de só receber uma Delegação que se encontrasse mínima e regularmente composta sob o ponto de vista de fardamento.

E, no dia seguinte, conforme ordem recebida, uma Secção da nossa Companhia começou a ocupar-se das escoltas na estrada para Henrique de Carvalho, até ao Buçaco, via Dala, tarefa que permaneceu durante quase um mês.

Nessa mesma estrada, segundo se falava na altura, e durante esse período, terá sido a primeira vez que uma Mina Anti-Carro foi acionada numa via asfaltada. Eles cortaram um pedaço certinho do alcatrão, colocaram lá a Mina e taparam de novo, com disfarce não detetável.

Um Camarada que passou à disponibilidade em Angola, não regressando, portanto, à Metrópole, conviveu algum tempo, por razões de namoro com duas irmãs, com o moço envolvido nesse incidente. Penso que um ato desses, feito a quente, deverá marcar indelevelmente um indivíduo para toda a vida.

Carlos Jorge Mota

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